O avanço das novas tecnologias impacta não apenas os serviços no âmbito privado, mas também as relações dos cidadãos com os serviços oferecidos pelo poder público, numa realidade em que os estados e municípios se esforçam e adotam medidas para aprimorarem suas estruturas para a adaptação de seus serviços no contexto das “smart cities” ou cidades inteligentes. Nesse sentido, os entes públicos e as empresas privadas delegatárias de serviços públicos utilizam de diversos tipos de insumos para custearem esses serviços prestados de forma inovadora, como o uso dos dados pessoais dos administrados como forma de receita acessória em contratos como o do free flow, em que se prevê a cobrança de pedágio nas estradas, de forma proporcional à distância percorrida pelos usuários, sem barreira física, por meio de cobrança feita por sua identificação, providenciando um serviço mais ágil e eficiente.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, de 2018, determina, em seu artigo 23, que o tratamento de dados pessoais por entes públicos deve ser realizado para o atendimento de uma finalidade pública, na persecução do interesse público, objetivando a execução das competências legais ou o cumprimento das atribuições legais referentes ao serviço público prestado.
A LGPD, ainda, estabelece o tratamento de dados pessoais para a execução de políticas públicas pelo Estado como uma das hipóteses legais do artigo 7º para a atividade, desde que “respeitados os princípios gerais, a garantia dos titulares e as demais disposições e limitações específicas previstas na Lei”.
No compartilhamento de dados pessoais para a prestação de serviços públicos, por meio de contratos administrativos, as bases legais devem ser as mesmas daquelas usadas para o tratamento de dados pelos próprios entes públicos, com fundamento na finalidade pública informada originariamente, no interesse público atendido e na execução das políticas públicas prestadas, nos termos do artigo 23 da LGPD.
Os dados pessoais dos cidadãos, neste sentido, ainda, podem ser usados para a prestação dos serviços delegados por meio dos contratos de concessão, podendo gerar uma receita acessória em favor das concessionárias, na medida em que as empresas devem se adequar às normas e princípios da legislação aplicável, com a adoção de novas tecnologias para a devida proteção dos dados pessoais dos usuários e da estrutura de segurança da informação das empresas.
A concessão de serviços públicos, como no caso dos serviços de rodovias, pode oferecer às concessionárias variados tipos de receitas no sentido de garantir aos usuários a modicidade das tarifas ao mesmo tempo em que mantém o equilíbrio econômico-financeiro original do contrato em caso de alterações tributários e legais, como no caso de adequação à LGPD.
Irene Nohara lembra que o poder concedente pode oferecer à concessionária, no instrumento do edital de licitação, esses benefícios, elencados entre receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, de forma exclusiva ou não.
Para o objeto do presente estudo, diversos administrativistas consideram que o tratamento de dados pessoais em contratos de concessão gera uma demanda de receita acessória, isto é, receita proveniente “de venda de utilidades ou comodidades que dependem da concessão para serem oferecidas, mas que não se confundem com ela”.
Nathaly Roque, Pedro Orduña e Bruno Santos examinam o tratamento de dados pessoais em contratos de concessão pelo Teste de Proporcionalidade, que objetiva a análise dos direitos envolvidos nessa atividade baseada no legítimo interesse do controlador, com a dispensa do consentimento dos titulares dos dados, lembrando que tal atividade gera uma forma de receita alternativa, mais especificamente receita acessória, tendo em vista fazerem “parte do próprio equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão”.
Ronny Charles Torres e Davidson de Brito lembram da necessidade de contratação de tecnologias atuais acima citada, bem como da necessidade de aprimoramento do capital humano, dos materiais e de toda a infraestrutura das concessionárias para a devida atenção às normas da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais de 2018, para a efetiva transformação do ambiente empresarial no sentido de criar um ambiente ético inclusive nos meios digitais, semelhante aos programas de integridade dessas companhias, fortalecendo a integridade de seus colaboradores.
Tal necessidade de adequação dos meios de prestação de serviços gera, assim, conforme Augusto Neves Dal Pozzo e Renan Facchinatto, custos de adequação pelas concessionárias, requerendo a contratação de tecnologias mais atuais e modernas, representando aquisições de vulto elevado pelas empresas.
Ademais, importante perceber que, além disso, as concessionárias e as empresas privadas e delegatárias de serviços públicos, em geral, serão fiscalizadas não apenas pelos órgãos responsáveis pela fiscalização já antes existente em cada setor regulado, mas também pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (449), formalmente criada por meio da Lei nº 13.853/2019, mas que somente agora, em abril de 2022, terá melhores condições de aplicação de multas por violações à LGPD, diante da publicação da Resolução CD/ANPD nº/2023, que regulamenta a dosimetria e aplicação de sanções administrativas.
Augusto Neves Dal Pozzo e Renan Facchinatto, nesse raciocínio, esclarecem:
“Com efeito, novos custos e novos riscos geram a necessidade de restauração do equilíbrio econômico-financeiro do contrato em favor do contratado e, ao final das contas, em favor do próprio interesse público, pois o reequilíbrio do contrato permite, ao concessionário, suplantado de algum modo economicamente, continuar a prestar as atividades de interesse público que lhe foram delegados.”
Ronny Charles e Davidson de Brito, ainda, sugerem a via consensual para a necessária repactuação do equilíbrio, tendo em vista que seus instrumentos próprios proporcionam um ambiente harmônico entre os interesses das partes contratuais, bem como do interesse público primário, podendo, inclusive, fomentar a ampliação dos trabalhos pelas Câmaras de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos e demais órgãos da esfera alternativa de resolução de conflitos, tão valorizadas pela Nova Lei de Licitações, nos termos, por exemplo, dos artigos 151 e seguintes.
Fernando Menegat, por fim, lembra o impacto da necessidade de proteção de dados pessoais como receita acessória nos contratos administrativos, que, simultaneamente, auxiliam na observância ao princípio da modicidade das tarifas, desonerando os usuários dos serviços prestados quanto à essa obrigação adicional, bem como “facilitam a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da concessão”.
Uma das novas tecnologias, hoje, muito debatidas na prestação dos serviços de transporte rodoviário no país se concentra no chamado “free flow”, sistema de livre passagem para a cobrança de tarifa dos usuários sem a existência de uma barreira física como o pedágio, reservando aos usuários maior eficiência e uma cobrança mais justa de tarifa, na medida em que a cobrança será proporcional ao trecho percorridos pelos usuários do serviço, com a cobrança feita pela identificação automática e eletrônica dos veículos.
Assim, pode-se concluir pela necessidade de adequação das concessionárias de rodovias às regras e princípios fixados na LGPD para o adequado e efetivo tratamento de dados pessoais nos novos sistemas de cobrança de tarifa nos mais variados tipos de serviços públicos por elas prestados, garantindo o atendimento à finalidade pública e ao interesse público envolvidos em cada situação, gerando uma receita acessória às empresas, diante da necessidade da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro originário do contrato.
Fonte: Conjur