A notícia é boa. É crescente o número de empresas que publicam relatórios de sustentabilidade. Um estudo realizado pela KPMG (Big Shifts, Small Steps — Survey of Sustainability Reporting 2022) assinala que 96% das 250 maiores empresas do mundo reportam informações sobre sustentabilidade e práticas ESG. No Brasil, 86% das 100 maiores empresas publicaram relatórios de sustentabilidade em 2022.

A aceleração deste crescimento aumentará, pois o que até agora é voluntário está em vias de se tornar mandatório. Na Europa, tal exigência passa a valer já em 2024. O Parlamento Europeu anunciou a adesão ao padrão CSRD (Corporate Sustainability Reporting Directive) que obriga as maiores empresas da União Europeia a relatar seu impacto ambiental e social e a submeter os relatos a auditoria feita por empresa independente. Como a demanda por transparência e prestação de contas é alta em todo o planeta, esta iniciativa tende a ser copiada por outros blocos econômicos e países.

Mas… o que dizer da qualidade dos relatórios? O simples fato de torná-los obrigatórios os tornará mais assertivos, exatos e relevantes? Penso que não, talvez, no geral, a qualidade até decaia – o que fazemos movidos pela boa vontade costuma ser melhor do que o feito por obra da imposição.

Por ora, no tocante à qualidade, podemos mencionar uma antiga suspeita que paira sobre os relatórios de sustentabilidade: muitas empresas (a maioria?) os usam apenas como artefato de marketing – é frequente encontrarmos fotos retocadas para esconder estrias, rugas e outros tipos de “feiuras” que certamente existem e existirão em qualquer empresa ou empreendimento humano. Aliás, uma destas feiuras é de natureza ética, trata-se da inação e do silêncio da empresa sobre assuntos sensíveis e de legítimo interesse dos leitores, ou seja, as partes interessadas.

É lícito, então, concluir que quando o objetivo de convencer ou manipular a opinião vem na frente, o relatório de sustentabilidade é desviado de sua finalidade maior: fazer transparecer o modo como uma empresa cuida das questões ambientais, sociais e de governança. Neste caso, a qualidade decai.

O marketing é uma atividade legítima e necessária, porém, há momentos em que a empresa precisa revelar com clareza e veracidade o que de fato está acontecendo em suas operações e negócios. O relatório de sustentabilidade (assim como demonstrativos financeiros etc.) deve ser uma foto na qual a empresa aparece em público com uma maquiagem leve ou com o rosto lavado.

A respeito disto, Donna Carmichael (London School of Economics and Political Science), Kazbi Soonawalla (Universidade de Oxford), e Judith C. Stroehle (Universidade de Saint Gallen, Suíça), publicaram recentemente uma minuciosa análise dos relatórios das empresas que compõem o Financial Times Exchange (FTSE) 100 (índice das 100 empresas listadas na Bolsa de Valores de Londres). Em um artigo da Stanford Social Innovation Review, as pesquisadoras concluem que, mesmo quando olhamos para dados auditados por consultorias independentes, a falta de padronização e critérios claros dão margem para muita confusão e greenwashing.

Para ajudar os administradores na delicada tarefa de definir propósitos e critérios, existem padrões internacionais que podem ser usados para estruturar, uniformizar e possibilitar comparações entre os relatórios de sustentabilidade. De acordo com o estudo da KPMG mencionado, dois se destacam: 78% das 250 maiores empresas usam os padrões (Global Reporting Initiative) e cerca de 50% delas usam o SASB (Sustainability Accounting Standards Board).

Porém, a adoção de um padrão testado e reconhecido pelo mercado não é suficiente para equilibrar as coisas com o marketing, afinal os indicadores também são propícios à camuflagem. Basta ter em mente que mesmo balanços patrimoniais (o que é o plano de contas senão um sistema de indicadores?) de empresas respeitadas podem ser falseados. É preciso citar exemplos?

O fato é que não é fácil publicar um relatório de sustentabilidade realmente assertivo, exato e relevante. Esse trabalho exige dos administradores muita dedicação e reflexão, é claro, também exige engajamento e diálogo com as partes interessadas, pois elas são em primeira e última instância os principais destinatários do relatório.

A quem a empresa deve explicações? O que relatar? O que não precisa ser relatado? Como dizer as coisas que precisam ser ditas? Estas perguntas são difíceis sobretudo porque exigem respostas honestas dos administradores.

Bem sabemos quão difícil é orientar nossas escolhas e atos nas situações em que as demandas do desejo e dos interesses pessoais se contrapõem às demandas do dever e da sociedade. Nestes momentos, é preciso muita autovigilância, autoconhecimento e sinceridade para reconhecer e enfrentar os vieses cognitivos, a parcialidade e a irracionalidade. A elaboração de um relatório de sustentabilidade é um destes momentos.

Permitam-me uma citação (ligeiramente alterada) do filósofo Espinosa: “Ora, se as pessoas fossem por natureza constituídas de modo que não desejassem senão o que ensina a razão, certamente a sociedade não necessitaria de nenhuma lei; as pessoas fariam, de modo espontâneo e livre, aquilo que verdadeiramente interessa ao bem comum.” (Tratado teológico-político, capítulo V)

Eis porque convido empresários e líderes comprometidos com os valores ESG a se questionarem com honestidade para que servem seus relatórios de sustentabilidade. E, neste questionamento, buscarem o equilíbrio entre o desejo de aparecer bem na foto e o dever de mostrar a realidade da empresa de forma transparente e com plano de ação para melhoria contínua.

Por fim, uma última consideração: a honestidade não é um modo de fazer algo, ela é um modo de ser alguém.

*George Barcat é professor de filosofia, consultor e especialista em governança corporativa e ética empresarial. É cofundador da consultoria Integrow, de ESG as a Service. A Integrow é integrante do ecossistema de impacto positivo do Instituto Jatobás.

Por George Barcat