A França se tornou o último país europeu a adotar novamente medidas rigorosas contra a disseminação da covid-19, conhecidas como lockdown ou bloqueio total.

Os governos da França e de outros países, como Itália, Alemanha e Holanda, veem sinais da emergência de uma terceira onda da doença e passaram a fechar as portas, se preparar para isso ou adiar reaberturas.

Atualmente, o coronavírus mata por dia no Brasil cerca de 10 pessoas a cada 1 milhão de habitantes. Na União Europeia, essa taxa diária é de quase 5 mortos por milhão. Ambas estão em trajetória de alta, porém de forma mais acentuada no Brasil.

Se forem considerados os dados dos maiores países do bloco europeu, a Polônia lidera com 7,6 mortes por milhão a cada dia, seguida de Itália (6,3), França (3,9), Espanha (2,5) e Alemanha (2,2).

Esse é o retrato da situação em 18/3, mas isso deve piorar porque os casos estão aumentando, e as mortes também devem crescer nas semanas seguintes.

A situação em Paris é particularmente preocupante com quase 1.200 pessoas em tratamento intensivo em hospitais, mais do que no pico da segunda onda em novembro, segundo o ministro da Saúde francês, Olivier Véran.

A partir desta sexta-feira (19/3) haverá fechamento de comércio não essencial em 16 regiões francesas, onde vivem quase 21 milhões de pessoas, incluindo a capital, Paris.

Mas as medidas desta vez não serão tão rígidas quanto no lockdown anterior, disse o primeiro-ministro Jean Castex. As pessoas serão autorizadas a se exercitar ao ar livre, escolas continuarão abertas, mas as viagens entre cidades só podem ser feitas por motivos essenciais, por exemplo.

O novo lockdown na França foi anunciado poucos dias depois de anúncio semelhante na Itália.

Atualmente, escolas, lojas e restaurantes estão fechadas em mais da metade do território italiano, incluindo as duas regiões mais populosas, onde ficam Roma e Milão.

Os residentes serão obrigados a permanecer em casa, exceto por motivos de trabalho, saúde ou outros motivos essenciais.

O termo lockdown não se refere ao mesmo conjunto de medidas, mas acabou se tornando sinônimo de medidas rígidas. Mas há níveis diferentes, e cada país ou região adota suas próprias restrições, com horários e setores afetados de modo distinto.

Segundo levantamento da Unesco (braço da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura), atualmente 29 países adotam fechamento parcial ou total das escolas.

Na Europa, países como Portugal e Irlanda estão com as instituições de ensino completamente fechadas, e a Alemanha, Itália e Holanda, parcialmente abertas. Por outro lado, Reino Unido, França e Espanha não adotam restrições.

Isso pode mudar com o avanço nos casos no continente. A exemplo das diferenças entre países, as escolas ficarão abertas nas regiões francesas sob lockdown, mas serão fechadas nas regiões italianas que restringiram a circulação de pessoas.

“Estou ciente de que as restrições de hoje terão consequências na educação de seus filhos, na economia e na saúde mental de todos”, disse o primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi. “Mas são necessárias para evitar um agravamento da situação que exigiria medidas ainda mais rígidas.”

Na maioria das regiões italianas, “os hospitais e sobretudo as unidades de terapia intensiva já estão sobrecarregados”, alertou esta semana o centro de estudos de saúde Gimbe, segundo a agência de notícias AFP.

Outros países do continente enfrentam avanços. A Polônia registrou quase 21 mil novos casos diários em meados deste mês, o maior número desde novembro.

A Alemanha registrou um rápido aumento de infecções entre crianças em idade escolar, principalmente com novas variantes do coronavírus, como a descoberta no Reino Unido.

As autoridades alemães temem um aumento “exponencial” nos casos e, por extensão, a superlotação de hospitais. “É muito possível que tenhamos durante a Páscoa uma situação semelhante à que tínhamos antes do Natal, com um número muito alto de casos, muitos casos graves e mortes e hospitais lotados”, disse Lars Schaade, vice-presidente do Instituto Robert Koch de Doenças Infecciosas.

Mesmo ainda sob medidas rígidas, a Alemanha e a Holanda, por exemplo, têm registrado aumentos de casos e passaram a reconsiderar o cronograma traçado para reabrir gradualmente a economia.

Lockdown pelo mundo e reações de Bolsonaro

Um levantamento da Universidade de Oxford, no Reino Unido, aponta que as duas regiões com mais países adotando medidas rígidas à circulação de pessoas são a Europa e a América Latina.

Na América Latina, seis países estão com escolas completamente fechadas: México, Bolívia, Venezuela, Honduras, Panamá e República Dominicana.

O Brasil integra o grupo de países com abertura parcial, ao lado de outros como Chile, Argentina e Uruguai. Apenas Nicarágua, Peru, Suriname e Cuba estão com instituições de ensino completamente abertas na região.

O Brasil enfrenta atualmente o maior colapso sanitário e hospitalar de sua história, segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e a tendência é piorar.

Em meio ao cenário de hospitais lotados e falta de remédios e profissionais de saúde, cresce tanto a pressão por lockdowns no país quanto as críticas do presidente Jair Bolsonaro a essa política.

Bolsonaro, inclusive, recorreu ao Supremo Tribunal Federal para derrubar fechamento do comércio na Bahia, no Distrito Federal e no Rio Grande do Sul. Ele defende que esse tipo de medida dependa da aprovação do Legislativo, e não passe apenas por decretos de governadores.

Em transmissão ao vivo pelas redes sociais na quinta-feira (18/3), ele voltou a criticar medidas de isolamento, classificou a Organização Mundial da Saúde (OMS) como “desacreditada” e disse que o órgão não recomenda o lockdown como medida de contenção da pandemia — o que é incorreto.

“Ficar em casa é uma coisa bacana, quem não quer ficar de férias em casa”, ironizou o presidente, na contramão de seus pares ao redor do mundo.

“Sempre preguei, lá atrás, o isolamento vertical. Cuidado especial com os idosos, com quem tem comorbidades e os obesos. E o resto, tem que voltar à normalidade”, afirmou, novamente contrariando evidências apontadas por autoridades como o epidemiologista israelense Gabriel Barbash, ex-diretor-geral do Ministério da Saúde de Israel, que em entrevista recente à BBC News Brasil disse que “não há dúvida” sobre a eficácia dos lockdowns no combate à covid-19.

Em diversos momentos, o presidente brasileiro criticou os que têm buscado trabalhar de casa para diminuir a curva ascendente de contaminações. “Para mim é muito fácil aderir ao lockdown. ‘Confinamento, feche tudo’. É bacana, é politicamente correto. Eu estaria traindo a minha consciência se agisse dessa maneira.”

Novamente defendendo tratamentos alternativos que não são indicados pela comunidade científica internacional, o presidente chegou a fazer piada e reproduzir sons de sufocamento emitidos por pessoas com falta de ar por conta da doença. “O apelo que eu faço a quem é contra… Sem problemas. Se você começar a sentir um negócio esquisito, siga a receita do ministro Mandetta. Vai para casa e, quando você estiver lá… (Bolsonaro começa a fazer sons de sufocamento) com falta de ar, aí você vai para o hospital”.

Escassez de vacinas

Outro fator que agrava a situação da pandemia é que tanto a União Europeia quanto o Brasil ainda não conseguiram avançar a vacinação e sentir os efeitos positivos na redução de mortes, como foi sentido em Israel, no Reino Unido e nos Estados Unidos, por exemplo.

O problema se agravou ainda mais no continente europeu porque diversos países suspenderam a aplicação da vacina AstraZeneca-Oxford por temor de coágulos sanguíneos como efeito colateral, mas as suspeitas se mostraram infundadas, segundo a Agência Europeia de Medicamentos (uma espécie de Anvisa do bloco).

No Brasil, 4,6% da população já recebeu a primeira dose. Itália, França e Alemanha vacinaram 8,3%, e o Reino Unido, 38%. O país mais avançado nesse quesito é Israel, com 59,5% dos habitantes imunizados com pelo menos uma dose.

Entre esses países citados, o Brasil tem a maior taxa diária de mortes por 1 milhão de habitantes (9,8), seguido de Itália (6,3), França (3,9), Alemanha (2,2), Israel (1,7) e Reino Unido (1,6).

O Brasil foi o único entre eles a não adotar lockdown nacional em nenhum momento. Por outro lado, todos os países comparados acima começaram a vacinação enquanto medidas rígidas estavam sob vigor, o que derrubou ainda mais o espalhamento da doença.

Fonte: BBC Brasil

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