A Lei Geral de Proteção de Dados “LGPD”, editada diante da evolução tecnológica e da necessidade de se conceder tutela protetiva do Estado, aos dados pessoais das pessoas naturais, visando guarnecer o direito fundamental à privacidade, trouxe em seu arcabouço normativo a figura da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), a qual, à primeira vista, esteve prevista como agência autônoma e independente, no entanto, em face da existência de de vícios formais na edição do projeto de lei, foram vetados os artigos adstritos a estruturação normativa que culminou inclusive na conversão da competência da norma vinculada à autoridade da Casa Civil.
Entretanto, fato é que o texto aprovado, quando da conversão da MP 869/18 na lei 13.853/19, manteve a previsão de que a Agência Nacional de Proteção de Dados teria vinculação à Presidência da República, com a ressalva normativa de dispor ao referido órgão a possibilidade de se tornar uma autarquia, após o transcurso de dois anos, contados da promulgação da lei.
Nesse sentido, a respectiva previsão legal conteve, de certa forma, os críticos da nova Lei, uma vez que essa vinculação à Presidência da República, de um órgão de tamanha importância, quanto a Agência Nacional de Proteção de Dados, levaria a uma possível ausência de independência funcional e autonomia, qualidades estas, indispensáveis à uma Agência criada para proteção de dados das pessoas naturais.
Nesse contexto, sem a autonomia e independência necessárias, poderia se tornar mero instrumento de manobra de governos, uma vez que a eles estaria submetida, pela sua vinculação à Presidência da República, que possui alternância periódica, podendo acarretar enorme insegurança nas relações de tratamento de dados pessoais.
Diante da necessidade do Brasil estar adequado ao cenário internacional de transferências de dados pessoais entre países, a fim de mais se aproximar ao GDPR, instrumento normativo de proteção de dados pessoais europeu, o qual inspirou a edição nacional da LGPD, que prevê que a transferência internacional de dados pessoais por empresas europeias, somente seria possível, se o país de destino destes dados pessoais, tivesse nível adequado de proteção de dados pessoais, dentre estas exigências está a necessidade de um, ou mais, órgãos de proteção de dados ser, totalmente independentes no pais de destino, conforme disposto no ar 45 do GDPR, que decorreu da nova, e, recente, alteração na Lei Geral de Proteção de Dados, a MP 1.124/22.
De tal modo, a referida medida provisória, foi convertida na lei 14.460 em 25 de outubro de 2022, transformando a ANPD em uma autarquia de natureza especial, o que significa dizer que esta autarquia especial se difere das comuns, no que tange a maior autonomia administrativa, técnica ou financeira, o que deve constar na lei de sua criação, assim como prevista na referida lei 14.460/22, como se denota do art. 55-A.
Assim, a transformação da ANPD em autarquia especial, com independência técnica e decisória, aliada com a promulgação da emenda constitucional 115/22, que elevou a proteção de dados pessoais ao status de direito fundamental, inserindo no art. 5º da Constituição Federal, inciso LXXIX, abre o caminho para que a LGPD possa, de fato, ter seu objeto observado, regulado e fiscalizado pela ANPD, agora dotada de autonomia e independência, também abrindo caminho para que o Brasil possa realizar negócios internacionais com a transferência internacional de dados pessoais, observada a legislação alienígena, para que não fique isolado diante da nova cultura mundial acerca da proteção dos dados pessoais.
Portanto, podemos concluir que o Brasil outorga a devida importância a esta temática tão sensível, quanto a proteção de dados pessoais, uma vez que através do tratamento destes, as pessoas podem ser padronizadas, individualizadas e até mesmo, influenciadas pelas empresas que lidam diretamente com a análise destes dados. E assim, atribui a impossibilidade de omissão estatal quanto à tutela efetiva do direito à proteção destes dados pessoais, adotando medidas eficazes a garantia desta proteção, sendo a transformação da ANPD em agência reguladora dotada de autonomia e independência técnica e decisória, sendo estes, portanto, um dos maiores avanços nesse longo caminho ainda a ser trilhado para a implementação da cultura da proteção de dados pessoais no Brasil.
Por Luiz Fernando Marucci