Em um contexto social que apresenta os retornos do Ministério da Igualdade Racial e do Ministério da Mulher, bem como a criação do Ministério dos Povos Originários, Ricardo Sales, CEO e cofundador da consultoria Mais Diversidade, vê o Brasil reestruturando as políticas de diversidade.
Em entrevista exclusiva para o Estadão, Sales falou sobre tendências em diversidade para 2023 e como as empresas podem atuar para se alinhar a esse cenário. “Acredito que nosso maior desafio para 2023 é construir uma agenda ESG à brasileira”, disse ele.
O que mudou na atuação das empresas em 2022 no tema de diversidade?
O ano de 2022 foi de resiliência para essa agenda. Recentemente, o Estado brasileiro se colocou em uma posição de combate em relação ao tema e as empresas tiveram um papel importante no vácuo que o Estado deixou. No início da administração do Bolsonaro, em 2019, muita gente imaginava que o tema não continuaria em voga no meio empresarial, mas o que aconteceu foi justamente o contrário. Vimos organizações preocupadas em dar mais transparência aos seus indicadores, em fortalecer suas políticas e investir na formação dos seus colaboradores. Em um ano tão difícil para a economia, as empresas diminuíram os investimentos em diversas frentes, mas isso não aconteceu nos pilares ESG, porque esse é um assunto estratégico para as empresas e cada vez mais cobrado por acionistas e consumidores.
Essa demanda vem de fora ou dos próprios consumidores brasileiros?
Ela vem, sobretudo, do exterior. Apesar de os EUA e os países da União Europeia focarem muito mais no aspecto ambiental, eles também têm avançado nos indicadores e reconhecido a importância de avançar também nesse tema. O que nós observamos é que, para além dessa pressão do exterior, também existem movimentos aqui no País de adequação a essas demandas, de acordo com a nossa realidade e com nossos próprios desafios. Existem argumentos suficientes que provam que vale a pena investir em diversidade e inclusão, seja pelo aumento da produtividade ou pela melhora na reputação. Mas, se a gente tivesse que resumir em um apenas, eu diria que são as mudanças geracionais.
A geração Z é jovem, mas daqui a dez anos será a maioria no mundo do trabalho. Ela guia o seu comportamento político, suas escolhas de consumo e a escolha sobre os lugares onde vai trabalhar a partir de um novo conjunto de valores que tem os atributos ESG e, sobretudo, a diversidade e a inclusão no centro. Quem não olhar para a diversidade tende a ficar sem clientes e sem força de trabalho.
Quais são as tendências para esse próximo ano?
Acredito que nosso maior desafio para 2023 é construir uma agenda ESG à brasileira, que se valha do que está sendo feito de melhor no exterior, mas que, acima de tudo, consiga olhar para as nossas necessidades e tenha centralidade no social.
A criação e recriação dos ministérios voltados a questões de diversidade apontam para a criação de novas políticas públicas e proposição de novos projetos de leis que, consequentemente, vão impactar o meio empresarial. O presidente Lula também se comprometeu com a criação de um projeto de lei que endureça a questão das diferenças salariais motivadas por gênero e que também inclua o aspecto racial, o que terá impacto direto na atuação das empresas.
Uma terceira tendência seria o retorno do papel do MEC (Ministério da Educação) na discussão sobre diversidade na educação. E, com a posse de duas deputadas trans (Erika Hilton e Duda Salabert), questões voltadas especificamente a essa população, que já vem ganhando espaço no meio empresarial, irão se expandir para a sociedade. Por fim, acompanhando a tendência internacional, acredito que haverá um fortalecimento do regulatório nessa agenda.
Qual será o impacto disso no dia a dia das empresas?
Essas cinco tendências vão chegar rapidamente até as organizações. Com a expectativa de que entre na lei a proibição da diferenciação salarial, as empresas terão que se adiantar e fazer pesquisas para identificar internamente se estão pagando de forma diferente homens e mulheres e/ou pessoas brancas ou negras.
O segundo ponto será olhar para os conselhos de administração, espaços majoritariamente masculinos, brancos e com uma média de idade mais elevada. É necessário capacitar conselheiros e conselheiras para esse tema e educar essas pessoas que, ao longo de suas carreiras, não tiveram a oportunidade de trabalharem com esses temas.
Um último ponto é a questão da diversidade na cadeia de valor. As empresas terão que expandir sua atuação para além das quatro paredes. Como faço para que meus fornecedores sigam na mesma toada? Como faço para que as empresas que prestam serviço para mim também olhem para os temas de diversidade e inclusão? Não adianta as empresas capacitarem seus colaboradores se o segurança e outras pessoas operacionais são terceirizadas. É justamente assim que muitos escândalos acontecem.
A diversidade ainda é um diferencial competitivo ou se tornou pré-requisito para a sobrevivência das empresas?
Ainda é um diferencial competitivo. Acredito que a diversidade será uma commodity no futuro, em que todas as empresas terão que olhar para esse tema. Hoje, muitas grandes empresas brasileiras têm práticas e políticas bem consistentes, mas ainda falta avançar em outras dimensões, como nas pequenas empresas e expandir fora dos maiores centros urbanos. Diversidade e inclusão é um tema muito mais avançado em São Paulo e nas principais capitais do País, mas ainda precisamos conquistar novas fronteiras. Temos muitas mudanças em progresso.
Como as PMEs podem se alinhar a essa nova realidade do mercado?
Trabalhar a conscientização seguida da sensibilização é fundamental. Depois, de acordo com o porte da empresa, podemos pensar numa governança, que pode ser a criação de um comitê ou colocar nas atribuições de uma pessoa da área de comunicação ou do RH olhar para esse tema até a medida em que a empresa vai crescendo, se desenvolvendo e o tema vai crescendo junto com ela.
Empresas de qualquer porte podem trabalhar com diversidade. Aqui, nós temos experiências incríveis que mostram como é possível falar sobre o tema com qualquer pessoa, desde que você utilize o tom correto e a abordagem apropriada. É preciso trazer as pessoas para perto e tirar esses fantasmas criados pela desinformação. No final das contas, a única palavra que realmente importa é respeito.
Por Bruna Klingspiegel