quarta-feira,27 novembro, 2024

Realidade virtual, potencial real

Construído ao longo de quase duas décadas a partir de 1887, o Main Quad é o coração da Universidade Stanford, na Califórnia. É em um dos prédios desse quadrilátero principal, parte mais antiga do campus, que está o Virtual Human Interaction Lab (VHIL), laboratório que, em contraste, desenvolve pesquisas de ponta em realidade virtual (RV).

O objetivo do VHIL é entender as implicações psicológicas e comportamentais dessa tecnologia e de sua correlata, a realidade aumentada, que constituirão a base do metaverso. O laboratório é dirigido pelo professor Jeremy Bailenson, seu fundador, também autor do livro Experience on Demand, que explora o potencial da RV em diversas áreas, dos esportes – ajudando os quarterbacks do futebol americano a aperfeiçoarem seus passes – à medicina – na qual já vem sendo utilizada no tratamento de traumas e fobias. Foi com o intuito de entender esses e outros possíveis usos, em particular aqueles relacionados aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, que visitei o VHIL.

O laboratório conta com uma sala multissensorial que visa proporcionar uma imersão integral na RV. Seu chão pode se movimentar, e alto-falantes ao redor de todo o ambiente fornecem um som espacial que, somado ao headset de última geração, propiciam a impressão de se estar de fato vivenciando determinada situação, como andar sobre uma prancha, sobrevoar uma cidade ou estar em meio a um terremoto.

Os efeitos psicológicos de experiências imersivas como essas se aproximam daqueles provocados por experiências reais e, graças a isso, essa tecnologia pode se mostrar persuasiva para promover mudanças de ponto de vista e de comportamento. No VHIL, pude provar algumas simulações desenvolvidas com essas finalidades.

Na primeira delas, você entra na pele de alguém prestes a passar a viver em condição de rua. Ela se inicia dentro do apartamento em que você mora, cujo aluguel, como o proprietário do imóvel que bate insistentemente à sua porta faz questão de lembrar, você não está conseguindo pagar. Depois de se ver obrigado a escolher alguns de seus poucos pertences para vender e tentar, sem sucesso, cobrir sua dívida, você é despejado e se encontra dentro de seu carro, em uma noite chuvosa, quando é abordado por um policial que o impede de dormir por lá. Tendo vendido também seu automóvel, a cena seguinte é em um ônibus, no qual, sob constante risco de ver tudo que sobrou de seus objetos pessoais – o que agora cabe em uma mochila – ser furtado, você tem a oportunidade de ouvir de outros moradores de rua suas histórias de vida, que os levaram a esse estado.

Colocar alguém literalmente no lugar do outro amplia sua compreensão dos problemas enfrentados por aquela pessoa e pode, indiretamente, estimular a adoção de políticas públicas voltadas a solucioná-los. Em outra simulação com objetivo parecido, escolhe-se um avatar completamente diferente de si próprio visualmente – pela idade, sexo ou raça, por exemplo – e se gasta um tempo olhando para um espelho virtual e se habituando ao novo corpo, fazendo diversos movimentos que são acompanhados com perfeição por sua imagem alterada refletida. Após ter “entrado no personagem”, você se volta e é surpreendido por um sujeito que, raivosamente, lhe dirige agressões preconceituosas.

Outra vertente de simulações procura conscientizar a respeito de questões ambientais. Em uma delas, você está inserido em uma floresta virtual e, por alguns instantes, desfruta a paisagem e o canto dos pássaros. Até que uma serra elétrica virtual lhe é dada, transformando-o em lenhador. A sala multissensorial e os controles que provocam uma sensação tátil são explorados ao máximo, do barulho ensurdecedor da motosserra à trepidação sentida pelas mãos que a seguram, até o baque provocado no chão pela queda da árvore, seguido do silêncio pela fuga dos pássaros.

Será que simular uma ação que foge ao dia a dia da maioria, realçando por meio visual, auditivo e tátil as consequências do consumo excessivo de papel, seria capaz de mudar o comportamento das pessoas de forma mais acentuada do que se essa mesma ação lhes fosse descrita em texto ou vídeo? Bailenson narra em seu livro um teste realizado em Stanford para avaliar exatamente isso, o qual constatou que aqueles que haviam participado da experiência em RV passaram a usar 20% menos papel do que os que haviam sido expostos aos demais tipos de mídia.

Essa capacidade de causar engajamento torna a RV especialmente interessante no ensino. Embora o alto custo de seus equipamentos hoje seja um impeditivo para sua adoção em larga escala, a tendência, com a aposta que vem sendo feita por algumas big techs no metaverso, é que os preços desses produtos caiam. Vale a pena, então, pensar em como a RV pode servir à educação.

Foi com esse intuito que Anna Carolina Queiroz, pesquisadora do VHIL que estuda os efeitos dessas novas mídias sobre a aprendizagem, liderou o projeto Realidade Virtual na Educação, realizado no Brasil numa colaboração entre o laboratório e o Instituto EDP. Nele, mais de 11 mil crianças de 48 escolas tiveram acesso a um vídeo imersivo mostrando o impacto da ação humana e das mudanças climáticas sobre os recifes de corais no arquipélago de Palau, no oceano Pacífico. Ao mergulhar os estudantes nesse universo, para eles tão distante, a RV pode sensibilizá-los a se preocupar mais com o meio ambiente e a pressionar os tomadores de decisão em suas comunidades a fazerem o mesmo.

Como toda tecnologia ao longo da História, a RV pode ser negativa ou positiva, dependendo do uso que damos a ela. Pode ser uma ferramenta a serviço do consumismo e do individualismo, alimentando o sedentarismo e a alienação – ou um instrumento eficaz para gerar empatia e promover a conscientização.

Por: Eduardo Felipe Matias

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