A humanidade passa por uma crise de energia e a descoberta de um recurso natural promete resolver a situação. Uma missão formada por cientistas e soldados sai em busca dessa nova fonte energética, que se encontra em uma lua alienígena chamada Pandora. O contato entre a humanidade e a sociedade Nav’vi, que habita Pandora, é tenso e violento. A embate se dá entre duas visões de mundo. Do lado extraterreno, os nativos defendem a integração com a natureza, que é encarada como uma extensão do próprio corpo. Os humanos, por sua vez, querem explorar os recursos da forma mais rápida e eficiente possível, nem que, para isso, tenham de destruir Pandora.
Esse é, de forma bem resumida, o enredo de Avatar, ficção científica de James Cameron lançada em 2009, que acaba de ganhar uma sequência. O filme teve a maior bilheteria da história do cinema, em uma época pré-streaming. A obra ficou mais conhecida pelo uso de tecnologias inovadoras de computação gráfica e 3D, tendo vencido o Oscar nas categorias de melhor fotografia, efeitos visuais e direção de arte. A humanidade, no entanto, ainda não estava pronta para debater seu tema principal: a importância do conhecimento ancestral para o desenvolvimento sustentável.
Avatar antecipou um dos principais temas da mais recente Conferência do Clima da ONU, a COP27, realizada em novembro deste ano no Egito. No evento, indígenas brasileiros levantaram a bandeira de como a valorização da cultura dos povos originários pode ser uma resposta à crise climática. “O Acordo de Paris e a Declaração de Nova York sobre Florestas já escreveram a importância do conhecimento tradicional como aliado do conhecimento científico, e a nossa intenção é dar a visibilidade de que não podemos estar fora das negociações e das tomadas de decisões”, disse Sonia Guajajara, liderança indígena e deputada federal eleita em 2022, que esteve na COP27 e conversou com a EXAME.
Escuta ativa de governos e da sociedade civil
A prova de que valorizar a cultura ancestral é essencial para a preservação da natureza e a contenção dos efeitos negativos das mudanças climáticas está em um levantamento do MapBiomas, com base em imagens de satélites e em inteligência artificial: entre 1985 e 2020, as áreas mais preservadas do Brasil foram as indígenas, com desmatamento de só 1,6%.
Indígenas reivindicam a escuta ativa de governos, executivos e toda a sociedade civil, além de maior participação efetiva em espaços de decisão. “Entre as muitas atividades sustentáveis que praticamos, o povo Paité Suruí é o primeiro do Brasil a trabalhar com crédito de carbono [desde 2012] e tem o quarto maior projeto do mundo desenvolvido por povos originários nessa frente”, afirma a líder indígena Txaí Suruí. “Esse é só um exemplo de como já sabemos das soluções que interessam a todos.”
Investir nos povos originários é ter uma economia baseada na sustentabilidade
Txai Suruí ressalta que não se discute mudanças climáticas sem a sabedoria dos povos originários. “Precisamos que as empresas não só contratem mais mulheres, indígenas e negros porque necessitam de um olhar diverso para os negócios. É necessário que vejam meu povo, por exemplo, como um dos maiores produtores de café do Brasil. Investir nos povos originários é investir num plano econômico sólido e em um futuro sustentável”, disse Txai.
Essa visão integrada é fundamental na proteção das florestas. “Os povos indígenas são os melhores defensores da floresta e têm as soluções para uma crise que não há mais tempo de fugir. Todos sabem dos riscos e sofrimentos que a população indígena, a que mais protege os biomas, têm no Brasil. Estamos passando por um governo de transição e só vamos conseguir bons resultados com a união de todos os setores.”
Mude Pandora para Amazônia, e o povo Na’vi para Paité Suruí, e terá um Avatar da vida real acontecendo no quintal do Brasil.
Por Rodrigo Caetano