Mayara Gomes, 42 anos, é maranhense, foi criada no Amapá e é casada com um gaúcho. Farmacêutica de formação, em 2020, durante a pandemia, ela começou uma produção caseira de cosméticos. “Mas não comecei do nada. Desde pequena minha mãe sempre me ungia com óleos, como o de andiroba para limpar a pele”, afirma Mayara. Da experiência caseira, muito estudo e habilidade para as formulações, nasceu a Acmella Beauty, na capital Macapá, uma startup de cosméticos à base de plantas da Amazônia, que passou pelo processo de aceleração e que hoje busca escala em rodadas de investimento. “Já estamos em vista de investidores, porque a gente quer realmente escalar a produção e estamos em busca de duas fábricas mais ao sul do país para terceirizar o processo”, diz ela. Ontem (5), Mayara embarcou para a Alemanha, em uma missão do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), em busca de oportunidades de investimento no seu negócio.
Acmella, nome de sua startup, é a denominação científica do popular jambu – ou jambu-açú, jamburana, mastruço do Pará, nhambú, pimenteira do Pará, agrião-do-Pará –, uma hortaliça típica da região norte do Brasil, ainda produzida em baixa escala e concentrada em pequenas propriedades rurais, principalmente no estado do Pará. Ela serve a pratos culinários e vem caindo nas graças da indústria de cosméticos. A startup de Mayara, que produz óleos, hidratantes, máscaras faciais e shampoos, é parte de um movimento em ascensão da bioeconomia da Amazônia e que necessita de investidores para ganhar ritmo nessa expansão.
A bieconomia, a ciência dos sistemas biológicos e recursos naturais aliados à utilização de novas tecnologias para criar produtos e serviços mais sustentáveis, não é um conceito econômico que nasceu ontem. Ela nasceu na década de 1970, mas nos últimos anos vem ganhando cada vez mais os holofotes de entes que possam contribuir para colocar em jogo projetos como o de Mayara, em definitivo e de forma saudável. Há várias estimativas do potencial da economia da Amazônia baseada nos serviços da natureza e da produção de cultivos no bioma da floresta. Uma delas, e bem conservadora, é um estudo pioneiro realizado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), no ano passado, que estimou para 12 setores produtivos –, entre eles agropecuária e saúde – um mercado de bioeconomia da ordem de US$ 326 bilhões (R$ 1,721 trilhão na cotação atual).
No último final de semana, dias 3 e 4, aconteceu em Belém, capital do Pará, um desses movimentos para colocar startups em evidência aos olhos do mercado. Promovido pelo Sebrae, o Summit Amazônia reuniu 100 startups em uma feira, de um total de 230 que passaram pela fase de aceleração por meio do projeto Inova Amazônia.
Todas as startups têm alguma relação de conservação, preservação ou utilização sustentável de um insumo da floresta ou o desenvolvimento de alguma tecnologia que cuida da floresta, por exemplo, rastreamento de açaí. “O Inova Amazônia deriva de uma intenção do Sebrae de desenvolver territórios ou desenvolver alguns segmentos, entre eles a bioeconomia”, diz Thiago Gatto, analista de Inovação do Sebrae.
“A bioeconomia serve para resolver problemas regionais e também para se posicionar para o mundo. A Amazônia é de uma riqueza incalculável. Há muitos estudos sobre plantas aplicadas a diversas soluções e muito mais rentáveis ao Brasil do que exportar uma tora de madeira.” Gatto dá como exemplo a ibogaína, uma substância farmacêutica extraída de uma planta de origem africana, que custa US$ 6 mil o grama, e que está em extinção naquele continente. “Aqui no Brasil temos uma árvore amazônica, hoje é utilizada como toco de cerca, de onde se consegue extrair a ibogaína da casca, sem derrubar a árvore. Derrubada, uma árvore vale US$ 200 a tora exportada.”
Gatto conta que o encontro em Belém representa um movimento de inversão das práticas do Sebrae, de pegar as startups da região e colocar em eventos e rodadas realizadas no centro-sul do país. A intenção é de posicionar os investidores e aceleradores no ambiente amazônico, na casa das startups. “Só quando a gente coloca esses negócios para ficar cara a cara com investidor, com um parceiro que pode comprar o seu produto, esses empreendedores percebem quais as fragilidades e atributos da sua marca”, diz ele. “É o momento para conseguir captar recursos, porque as startups necessitam de investimento para desenvolver pesquisa, produto e logística, que na região Norte é muito mais complicado.”
Sandro Cortezia, fundador da aceleradora Ventuir, com sede São Leopoldo (RS), é um dos vários grupos de olho no movimento da bioeconomia amazônica. “Até 2018, investimos de forma genérica em diferentes setores. Mas começamos a olhar o agro,, por influência de investidor mentor”, diz ele.
Hoje, dos cerca de 70 investidores que fazem aportes financeiros (em bieconomia), 16 são exclusivamente do agronegócio. Em valores, dos cerca de R$ 25 milhões em aceleração nesse período, R$ 5 milhões foram para o agro. “Há muitas demandas e muitas oportunidades de investimento em tecnologia e para o agro isso tem se ampliado, principalmente pela demanda das novas gerações.”
Um mapa para o açaí
As engenheiras agrônomas Juliana Nunes e Roseane Teixeira criaram o Açaí Maps em 2021, uma ferramenta digital para auxiliar o produtor de açaí. O software, por assinatura, apoia desde a regularização até a comercialização da fruta. “Criamos uma base de informações para o produtor tomar decisões e levar o açaí para o mundo”, diz Juliana, que também é cientista ambiental.
Para coletar as informações, elas vão a campo ou deslocam uma equipe técnica. O projeto nasceu de uma pesquisa na Embrapa, para o TCC (tese de conclusão de curso) de Roseana. “O que precisamos hoje é acelerar o processo de expansão para toda a região Norte, para conectar compradores de todo o país e também do exterior”, afirma Juliana. Hoje, a startup atende a uma cooperativa de 128 produtores de açaí orgânico certificado.
Pode chamar de “café de açaí”
Valda Gonçalves é uma empreendedora desde os 17 anos de idade. Em 2020, ela e o marido, Lázaro Gonçalves, criaram a startup Engenho Café de Açaí. A ideia do casal de Marabaixo, no Amapá, foi reaproveitar o caroço do açaí, um resíduo da agroindústria da fruta que muitas vezes é mal descartado, para produzir uma bebida aromática. “Para produzir essa bebida aromática, que nós batizamos de café de açaí, usamos o caroço, que representa 80% da fruta e que é descartado.O que conhecemos como o açaí, a polpa, representa 20% do fruto”, diz Lázaro. A bebida é rica em antioxidantes, fibras, minerais e vitaminas. “E não tem cafeína”, afirma ele.
O caroço do açaí já é foco de alguns projetos, como adubo, ração e biogás, mas como alimento ainda é uma novidade. O casal, que era dono de lojas de roupas, se desfez do negócio e investiu recursos próprios da ordem de R$ 200.000. Hoje, a fábrica processa até 4 toneladas de caroços. “Queremos expandir, dominar o negócio e ter parceiros”, espera Lázaro. Neste início de dezembro, Valda estava de malas prontas para uma missão a Frankfurt, em busca de investidores, bancada pelo Sebrae.
Produtor cria fertilizante e quer escalar mercado
Wesley Lammounier produz hortaliças e frutas em Ferreira Gomes, no Amapá, principalmente abacaxi e pimenta. Mas decidiu ir além. Lamounier tem uma startup, a Amazon BioFert, com dois produtos: um condicionador de solo e um fertilizante organomineral. Traduzindo, o condicionador ajuda na carga elétrica do solo funcionando como um imã, atraindo o fertilizante para a planta e depois liberando o uso desse fertilizante de forma lenta.
Atualmente, Lamounier produz 200 quilos por dia e está em busca de investimentos da ordem de R$ 300.000 para escalar a produção para 5 toneladas por meio de uma tecnologia que é importada da China. “Como nossa escala de produção é pequena, atingimos hoje horticultura e jardinagem, mas já estamos fazendo testes na Embrapa de Paragominas, no Pará, para culturas como girassol e gergelim”, diz Lammounier. “É nossa batalha para posicionar o produto no mercado.”
Do pet à startup de produtos da Amazônia
Emanuelle Pinheiro é dona de um cachorro da raça chow chow. Por causa dele, junto com a amiga Raquel Pontes, biomédica e doutora em biotecnologia pela Universidade Federal do Maranhão, nasceu a Midas Pet e Life em 2019, uma startup que utiliza o mastruz para produzir sabonetes terapêuticos. O casamento vem dando certo. Emanuelle, que também é formada pela mesma universidade, é assistente social, administradora e mestre em economia. “Boa parte do abandono de animais, se tornando também um problema de saúde pública, é por problemas de pele”, diz ela. “Chamamos o produto de pelonete, que é a junção de sabonete com uma pegada de saúde e bem-estar para cuidar de cães e gatos.”
O mastruz, popularmente chamado de erva-de-santa-maria, tem atuação antiparasitária, funcionando como vermífugo natural por causa de suas propriedades antissépticas. No “pelonete” vai outros bioativos, todos produzidos no Maranhão, como o óleo de babaçu. Emanuelle conta que para tirar a ideia do papel a dupla investiu cerca de R$ 50.000. “Passamos pela pré-aceleração do Sebrae, que foi muito importante por causa das mentorias, e agora estamos no Inova Amazônia”, diz ela. “Já participamos de algumas feiras e acredito no nosso produto em escala.” Emanuelle conta, entusiasmada, que já recebeu propostas de farmácias de manipulação de outros estados. A dupla participou da Rio Innovation Week, que aconteceu de 8 a 11 de novembro, no Píer Mauá, no Rio de Janeiro, evento em que a Midas também foi apresentada