“Quando minha família começou a plantar algodão, há 38 anos, ele era uma culturazinha”, diz o agricultor Walter Horita, 59 anos, à frente do Grupo Horita, um dos mais tradicionais produtores do oeste da Bahia. Hoje, a realidade é outra: nos próximos meses, o grupo vai começar o plantio da safra 2022/23 em uma área de 40 mil hectares destinada à fibra.
O grupo cultiva 112 mil hectares de lavouras, entre primeira e segunda safras, incluindo 60 mil hectares de soja e 12 mil hectares de milho. O crescimento do negócio de algodão dos Horita é um retrato do que aconteceu no resto do país. Em uma década, a partir dos anos 2000, acotonicultura passou de produção familiar para a empresarial.
O Brasil, que se tornou o segundo maior exportador mundial, quer ir além e ser o número um no mundo. “Isso vai acontecer – e a Ásia é o grande mercado”, afirma Horita. A estimativa de consultores é que a posição de liderança vai se consolidar em dez anos, com potencial de 4 milhões de toneladas exportadas.
Em 2021, o país exportou 2,1 milhões de toneladas de algodão e têxteis de algodão – que representa uma pequena parte – por US$ 3,7 bilhões, de acordo com o Agrostat (Estatísticas de Comércio Exterior do Agronegócio Brasileiro), organizado pelo Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária).
A marca de 2 milhões de toneladas foi alcançada em 2020; a de 1 milhão, em 2012, volume que se firmou de fato somente a partir de 2018. Neste ano, os dados até julho mostram 909,6 mil toneladas embarcadas por US$ 2 bilhões. “Lá atrás, a gente exportava algodão durante seis meses, hoje exportamos o ano todo. Isso fez a diferença para os compradores. Além do crescimento da produção, a certeza da oferta abriu mercado”, diz Horita.
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Escala e volume revolucionaram o cenário da fibra no Brasil e dão fôlego para novos voos. Em meados de agosto, um público de 2.500 pessoas estava pouco interessado na bela paisagem da praia da Boca do Rio, endereço do centro de convenções de Salvador (BA), onde aconteceu o 13o Congresso Brasileiro do Algodão, evento promovido pela Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão).
Uma legião de agrônomos, técnicos, acadêmicos, consultores e grandes produtores compareceram, entre eles o Grupo Horita e a SLC Agrícola, que pertence à família gaúcha Logemann e que atualmente é considerado o maior produtor de algodão do Brasil. Não por acaso, onde o CEO da companhia, o engenheiro agrônomo Aurélio Pavinato, parava, uma roda de curiosos se formava para escutá-lo.
“O sucesso nos anos 1960 era tirar o Brasil de país importador para país produtor. Agora, o que queremos para daqui a 30 ou 40 anos?”, pergunta Pavinato.
Na safra encerrada, a SLC cultivou 177 mil hectares de algodão, entre primeiro e segundo ciclo de plantio. A área total cultivada foi de 672 mil hectares, incluindo soja e milho. Com uma generosa contribuição do algodão, em 2021 a receita líquida da empresa foi de R$ 4,6 bilhões, valor 24,5% acima de 2020.
ROTA DO ALGODÃO
O professor do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) Marcos Jank, coordenador do centro Insper Agro Global, diz que é preciso olhar quais são os desafios da cadeia, tomando como realidade uma demanda firme por algodão não somente da China, o atual maior comprador da fibra brasileira e maior fabricante de têxteis do mundo, mas de todo o sudeste asiático, principalmente a demanda de países como a Tailândia, o Vietnã e a Indonésia, com fortíssimas indústrias têxteis. E também olhar para o sul asiático, recomenda Jank, onde está a Índia, que de fato tem a segunda maior indústria têxtil do mundo, atrás apenas da China.
“Hoje, mais de 70% da produção brasileira de algodão é exportada, e mais de 95% vai para a Ásia”, afirma Jank. “Mas você não pode ser um gigante do algodão se não estiver fisicamente presente, junto com o seu cliente.”
O professor, que trabalhou na Ásia entre 2015 e 2019, e que estuda geopolítica há mais de duas décadas, foi um dos influenciadores para que a Abrapa abrisse um escritório permanente em Singapura, em 2020, quando a associação de produtores também iniciou o projeto Cotton Brazil, destinado à promoção da fibra, juntamente com a Apex Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos ), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores.
Essa proximidade com os compradores asiáticos foi reforçada com uma agenda de missões da Abrapa, que já vinham desde 2015. “O trabalho é de formiguinha, mas começamos”, diz Júlio Busato, atual presidente da entidade. Neste ano, já aconteceram duas missões de produtores brasileiros, uma que incluiu Indonésia, Bangladesh e Tailândia, e outra para o Paquistão e a Turquia.
“Visitamos empresas, mostrando a elas que o produtor brasileiro sabe produzir e preservar”, afirma. No início de agosto, foi a vez de o Brasil receber a mais recente missão de compradores. Estiveram no país 21 empresários de cinco países asiáticos – Turquia, Vietnã, Paquistão, Coreia do Sul e Bangladesh –, mais o México.
O grupo de países responde por 60% das importações globais de algodão. “O bloco dos asiáticos compra 900 mil toneladas de fibra por ano, metade do que vamos exportar nesta safra, que deve ficar um pouquinho abaixo da anterior por causa da seca. Mas que recuperaremos em 2022/23”, diz Busato.
O mercado exportador global é da ordem de 10 milhões de toneladas de pluma de algodão, com os Estados Unidos donos de 3 milhões de toneladas das vendas no mundo, seguidos por Brasil, Índia, Austrália e Benin. As exportações globais movimentam cerca de US$ 12 bilhões, por ano.
Atualmente, o mundo produz entre 26 e 27 milhões de toneladas de fibra de algodão, por safra. A boa notícia para os cotonicultores brasileiros é que dos maiores países produtores, entre eles Índia, China, EUA e Paquistão, o Brasil é o que tem as melhores condições para aumentar a produção doméstica. Walter Horita diz que esse movimento é apenas uma questão de mercado.
“O algodão é uma cultura de médias e grandes propriedades, por causa da estrutura de capital necessária e das exigências da produção, em termos de tratos culturais, gestão e comercialização”, afirma. “Com esses três atributos, podemos ocupar qualquer espaço de demanda no mundo. Para dobrar as exportações, basta o mundo demandar.”
Horita dá como exemplo a produtividade dos norte-americanos, muito abaixo da brasileira. Segundo o USDA (Departamento de Agricultura dos EUA), ela foi de 950 quilos por hectare nas últimas três safras.
No Brasil, para o mesmo período, a produtividade foi de 1.721 quilos por hectare, com base nos dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). No mundo, ela foi de 769 quilos por hectare. Pavinato, da SLC, viu as lavouras do grupo registrarem uma produtividade de 1.739 quilos por hectare nesse período, com uma das fazendas mais produtivas do grupo batendo em 1.989 quilos.
Ele afirma que as tecnologias devem ajudar o produtor cada vez mais, e que a sustentabilidade vai ser uma moeda. “Vamos melhorar muito nossa mecanização e a automação das lavouras”, diz ele. “Nós já produzimos muito bem, mas ainda tem espaços (para crescer).”
Nessa seara do crescimento há um frisson no setor. Isso porque, em ganhos de produtividade, o Brasil libera no mundo, com taxas acima de 3%, enquanto a China e a Índia estão em uma faixa de 2% ao ano e os EUA com menos de 1% ao ano. “O agro é um investimento seguro no Brasil”, diz Jank. “Ao crescimento do uso de tecnologias e de inovações dos grandes produtores de algodão, deve ser adicionado o crescimento da área cultivada, principalmente em áreas de pastagens que hoje se encontram degradadas e devem ir para a agricultura.”
Para Jank, essa recuperação de áreas soa como música aos ouvidos do mundo, porque mostra um país voltado para a preservação ao poupar áreas nativas. “Temos 75 milhões de hectares agrícolas no país e 160 milhões de hectares de pastos. Possivelmente, dos 50 milhões de hectares de pastos hoje degradados, 20 milhões virão para a agricultura – e o algodão deve fazer parte desse avanço”, diz afirma. “Estados Unidos e Austrália, nossos maiores concorrentes em termos de preço e percepção de qualidade de fibra, jamais conseguirão fazer o mesmo.”