O Google for Startups, em parceria com a Associação Brasileira de Startups (Abstartups) e a Box 1824, lançou um relatório inédito sobre os principais desafios de empresas que lidam com inteligência artificial no Brasil. Segundo o estudo, o mercado de IA no Brasil segue em expansão, mas ainda apresenta muitas dificuldades quando comparadas ao cenário internacional.
Para o levantamento, foram feitas entrevistas com líderes de 702 empresas que trabalham e desenvolvem IA no Brasil. Quanto às frentes de atuação, 76% das empresas tem a Inteligência Artificial como Serviço (AIaaS) no foco da atuação. O mercado de BI & Analytics aparece na segunda posição com 69%, seguido pelo segmento de Saúde e Biotecnologia com 60%
A maioria das startups de IA são empresas com atuação em uma única vertical, ou seja, tem o serviço altamente especializado para tratar de temas específicos. Das 479 empresas analisadas desta segmentação, 12% são do setor de saúde e biotecnologia, 10% atuam com RH e gestão de pessoal, e 9,5% atuam no ramo de indústria 4.0, agricultura e alimentação.
Mercado de IA é homogêneo no Brasil
Embora o país seja um país imenso, o mercado de inteligência artificial no Brasil é muito homogêneo. A maioria das empresas (92,7%) se concentra
no Sul e no Sudeste do país, sendo que mais da metade delas (51,9%) estão no estado de São Paulo. Na região Norte só há duas e ambas ficam no estado do Pará.
O levantamento faz uma ponderação importante sobre como essa concentração agrava desigualidades regionais e reflete na criação das IAs propriamente ditas. Essa falta de diversificação faz com que os problemas resolvidos pela tecnologia sejam limitados. Cada região possui características próprias da população, da economia e do mercado corporativo, mas a centralização empurra as empresas para o mesmo círculo, atuando com os parceiros de sempre e correndo atrás de soluções restritas para um público limitado.
Além disso, a maioria dos fundadores são altamente qualificados, mas estão dentro de um padrão uniforme da sociedade. Dentre 49 empresas entrevistadas, 40 fundadores são homens e 36 são brancos. Apenas 5,5% são mulheres, 5,4% são negros e 5,1% pertencem ao grupo LGBTQIA+.
Na visão do estudo, isso é um problema porque, novamente, impede a criação de soluções focadas na diversidade. Uma mulher negra pode estar em busca de resolver um problema que um homem branco não possui. “O ambiente é visto como pouco diverso em relação à participação de grupos politicamente minorizados, sendo formado majoritariamente por empreendedores com históricos de vida e condições socioeconômicas similares”, ressalta o levantamento.
A composição pouco variada também gera vontades e demandas muito escassos, com IAs voltadas para resolver demandas similares. Embora o mercado tenha um potencial imenso, ele acaba reduzido a uma dúzia de clientes, disputados a ferro e fogo pelas startups de tecnologia.
Competição com o exterior
Outra imensa dificuldade é com a chamada fuga de talentos. O estudo mostra que as empresas de IA no Brasil são predominantemente pequenas (70,2% tem até 20 funcionários), portanto elas têm dificuldade de pagar salários competitivos e atrair a atenção de grandes profissionais.
Com o fortalecimento do home office, muitos profissionais passaram a receber em dólar e continuar morando no país. Isso faz com que pouquíssimas empresas brasileiras tenham condições de cobrir propostas com a moeda tão desvalorizada.
Esse cenário faz com que haja escassez de mão de obra qualificada. Exatos 57% dos entrevistados acreditam que a falta qualificação é o que mais prejudica o
desenvolvimento de IA no Brasil. “Faltam profissionais qualificados no mundo. No Brasil, falta o básico”, pontua o estudo.
A falta de conhecimento sobre inovação e IA foi apontada como um dos grandes empecilhos para o desenvolvimento. Se o seu cliente não sabe o que é uma inteligência artificial ou dificuldade de compreender como o investimento trará retorno, fica difícil oferecer produtos de qualidade.
Como resolver o problema?
O problema é complexo e o estudo não apresenta uma solução única. Segundo os pesquisadores, o cenário macroeconômico está repleto de fatores que podem gerar consequências negativas para empresas de IA. “Desde a taxa cambial à inflação, passando por fuga de talentos, momento do mercado e dados sujos, as empresas desse setor se veem muito mais reativas do que o necessário para o florescimento da tecnologia no Brasil”, conclui.
Será preciso atuar em pelo menos três esferas para começar a clarear o cenário: social, econômica e governamental. É preciso, na visão dos pesquisadores, aumentar a produção de talentos e facilitar a entrada no mercado de trabalho. A inserção dessas empresas no cenário de regulação também é visto como crucial para a evolução do setor, bem como na criação de políticas públicas.
“Com a IA é possível que corrijamos atrasos e deficiências estruturais históricas, mas o inverso também é verdadeiro: se demorarmos pode ser tarde demais”, concluiu a parte final da pesquisa.
O Brasil possui 12 mil startups, sendo 27 unicórnios, conforme dados da Abstartups. São Paulo é hoje a principal cidade para essas empresas: 2,7 mil startups de tecnologia estão localizadas na capital.
O mercado de IA movimenta cerca de US$ 2,4 bilhões (cerca de R$ 12,6 bilhões) em investimentos somente no Brasil em 2020. Esse número é considerável quando expandido para um cenário mais macro: 5,6% do PIB brasileiro naquele ano veio de startups do setor tecnológico.
Por: Alveni Lisboa