Motivado por sucessivas críticas do candidato ao governo de São Paulo Tarcísio de Freitas, o debate sobre uso de câmeras nos uniformes dos policiais militares cresce de maneira preocupante. A proposta de retirar as câmeras corporais tem feito parte, com mais ou menos intensidade, do discurso eleitoral de Tarcísio. A ideia configura flagrante retrocesso diante de uma política bem construída de profissionalização do uso da força.
O histórico das últimas décadas no controle da letalidade pela PMESP é de avanços e retrocessos. No governo Covas, nas gestões dos secretários José Afonso da Silva e Marco Petrelluzzi (1995-2001), foram adotadas medidas importantes para o controle da violência policial, após os dramáticos anos do governo Fleury, quando, em 1992, se atingiu a estarrecedora cifra de 1.470 civis mortos por policiais em serviço. Várias dessas ações foram esvaziadas ao longo dos anos e a letalidade voltou a crescer. A experiência acumulada pela PM paulista nesses últimos dois anos ensina que o uso de câmeras produziu resultados positivos, entre os quais a redução da letalidade policial, que bateu recorde no primeiro semestre de 2020.
Necessário ressaltar que a redução da letalidade policial não resultou em aumento de insegurança. Pelo contrário, houve redução da letalidade e também dos homicídios. Com relação à primeira, no 1º semestre de 2022 houve redução de 69% em relação ao mesmo período de 2020: redução de 444 para 136 mortos pela polícia em serviço no estado. No mesmo período de análise, o número de homicídios no estado caiu 4,5% (de 1.460 no 1º semestre de 2020 para 1.395 no 1º semestre deste ano). São Paulo possui uma das menores taxas de homicídios do país, com 5,81 ocorrências por 100 mil habitantes em 2021 (em 2000 eram 42,89/100 mil).
Está em jogo o trabalho de profissionalização da PMSP. Desde 2020 a instituição mapeou e adotou um conjunto de ações para regulamentar o uso da força, investindo em armamentos menos letais, como os “tasers” (armas de choque), em apoio psicológico aos policiais e em aperfeiçoamento da estrutura correcional. A PMESP também criou comissões de mitigação de risco, colegiado que atua na checagem dos procedimentos operacionais recomendados e no encaminhamento de policiais para treinamento, se necessário. Mais de R$ 36 milhões foram investidos no programa.
A instalação de câmeras corporais nos agentes integra, pois, um conjunto de ações de profissionalização da polícia que têm contribuído para diminuir confrontos e mortes, inclusive de policiais em serviço. São iniciativas que merecem ser aplaudidas pelos resultados já apresentados, ainda que necessitem de aperfeiçoamento. Uma descrição detalhada de cada ação pode ser lida em nota técnica do Instituto Sou da Paz publicada em abril deste ano.
Quem é contra o uso de câmeras nas fardas de policiais é contra a profissionalização das polícias. As imagens monitoradas servem para que os centros de comando possam acompanhar ações em tempo real e assim coibir situações de uso indevido da força, truculência ou corrupção. Além disso, constituem mecanismo para defesa de policiais contra falsas acusações e para reconhecimento de boas práticas. Cidadãos e policiais são beneficiados e protegidos.
A maioria da população apoia a política de implementação das câmeras. Segundo pesquisa encomendada pela Fundação Seade, 78% das pessoas avaliam positivamente a medida, e 74% gostariam que os policiais estivessem usando câmeras caso fossem abordadas. A sociedade deve seguir vigilante, reconhecendo os avanços do programa e cobrando aprimoramentos.
Não é verdade que a câmera torna o policial mais “fraco” diante do crime. A polícia só tem a lucrar com um sistema eficiente de controle. A eficácia da ação da polícia depende de treinamento, de armamento adequado e de sua capacidade de estabelecer uma relação sólida e positiva com a população. O bom relacionamento com a sociedade resulta em mais prevenção, melhor investigação do crime, maior satisfação profissional e mais segurança física dos policiais.
Uma política de segurança passa pelo fomento de uma cultura de defesa da legalidade, o que pressupõe rigoroso controle do uso da força e da corrupção policial. Uma polícia que não respeita a lei não é capaz de promover a segurança urbana, sendo, ao contrário, fonte de insegurança para os cidadãos, especialmente jovens negros, e para os próprios policiais.