segunda-feira,23 setembro, 2024

Caravanas levam o cinema para praças públicas no sertão do Nordeste

Sonhos distribuídos em imagens e sons há anos viajam em caminhões, alcançando plateias em localidades das mais isoladas do Brasil. Agora, ainda levantando poeirão pelas estradas, mas com mais agilidade, vans equipadas com placas fotovoltaicas que transformam a luz do sol em eletricidade limpa cruzam territórios até cidades onde o prazer de “sair de casa para ver um filme” segue desconhecido. O CineSolar, primeiro cinema itinerante do país a usar esse fonte de energia, rodou mais de 250 mil quilômetros nos últimos nove anos. Agora, na agenda de setembro, são duas vans (grafitadas e batizadas de Tupã e Mahura), passando por Garruchos (RS), São Roque (SP), Tabocas do Brejo Velho (BA), Tacaratu (PE), Queimada nova (PI), Alter do Chão (PA), dentre várias outras cidades, e pela primeira vez se dirigindo ao Amazonas e utilizando rios como transporte para levar o cinema a comunidades ribeirinhas. Bem mais recente, mas também se valendo da energia solar em deslocamento por caminhão às profundezas do Brasil, o CineMóvel Solar saiu do noroeste da Bahia rumo a Maranhão e Piauí, antes de fechar o trajeto deste mês.

Com o avanço da tecnologia, os cineastas também reduziram tamanho e peso da aparelhagem audiovisual, para produção e projeção, ganhando em mobilidade. As vans do CineSolar, por exemplo, carregam as placas fotovoltaicas, baterias, todo o equipamento de cinema, as 110 cadeiras para a plateia (até a pipoca é providenciada gratuitamente) e muito mais. Porque o espaço se abre, na verdade, como uma estação móvel de ciências e artes, com ênfase em inserção social e temas sócio-ambientais, como sustentabilidade e reciclagem. Há aulas com mostras e oficinas que destacam as energias limpas e explicações sobre como a luz solar se transforma em energia elétrica (as várias empresas do setor cada vez mais entram como patrocinadoras desses projetos itinerantes, como a Clarios (que se junta à Mercedez-Benz e apoiadoras como Biowash, Cicloway e Bio 2), no caso do CineSolar, que assim assegura 20 horas de autonomia energética, suficientes para cinco sessões de filmes, entre curtas e longas.

ESTAÇÃO Além dos equipamentos audiovisuais, vans levam baterias para armazenamento de energia e até cadeiras para a platéia (Crédito:Danilo Ramos)

“O tema da energia solar ainda é novo e gera muita curiosidade do público”, diz Cynthia Alario, idealizadora e coordenadora do CineSolar (que tem a versão CineSolarzinho para as crianças) e é um projeto da produtora cultural Brazucah, e desde 2002 também atua em salas de escolas apresentando técnicas básicas para formar produtores de filmes entre alunos e professores. Para ela, o trabalho preenche lacunas relacionadas a questões culturais. “Infelizmente, a cultura ainda não é entendida como um direito, no Brasil. O CineSolar surgiu há nove anos e está voltado para a democratização do cinema brasileiro. Menos de 10% dos municípios do país não têm salas de cinema, concentradas nos grandes centros, o que dificulta o acesso de moradores das periferias.”

Cinema com energia limpa

O CineSolar faz parte da Solar World Cinema, rede internacional de cinemas itinerantes movidos a energia solar, da qual participam países como Holanda, África do Sul, Nepal, Chile, Croácia e Austrália. Há ações com a Unesco Brasil e com a Universidade Internacional da Paz. Com isso, une aspectos socioculturais com questões ambientais, de máxima urgência para o planeta. Na passagem das vans, aproveitam-se tradições de povos originários para integrar o público das sessões de cinema a coleta de material para reciclagem e a aulas técnicas sobre uso de forno solar ou como fazer compostagem, no aproveitamento do lixo orgânico. Em parceria com a Ecooar, 300 árvores já foram plantadas em área de manancial para compensação de carbono.

Produtor cultural da Magma Cultura, Jefferson Bevilacqua explica que o Cine Móvel Solar CNH (sua patrocinadora) conta com caminhão adaptado para transporte de um telão onde se projetam os filmes em locais públicos. “Um dos diferenciais desse projeto é o sistema de projeção, com energia gerada no próprio caminhão, coberto por placas de captação de energia fotovoltaica, que é armazenada em baterias para autonomia de até 72 horas, com todo o sistema de projeção e som abastecido por essa fonte. Os filmes são escolhidos para abranger os diferentes perfis de espectadores e nesta edição, sua agenda contempla localidades da Bahia, Piauí e Maranhão. “Pegamos a estrada em setembro de 2021 e, passadas 23 cidades, alcançamos mais de 3 mil pessoas”, diz o produtor. “A intenção é democratizar o acesso à cultura, sendo gratuito para atender a todo tipo de público, e ao mesmo tempo despertar curiosidade e interesse pela sustentabilidade.”

CURIOSIDADE Cynthia Alario diz que o CineSolar preenche lacunas culturais mas também desperta o interesse pela energia limpa (Crédito:Divulgação)

O produtor explica que o cinema itinerante é um “filhote” da Magma, que desde 2008 encaminha projetos voltados a cultura, educação, entretenimento e cidadania, também com apresentações itinerantes teatrais, em consonância com nove dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela ONU na mobilização do planeta pela urgência climática e ambiental.

Nem sempre foi assim

‘ISCA’
No filme “Cinema, Aspirinas e Urubus”, de 2005 e dirigido por Marcelo Gomes, um alemão fugido da guerra se reúne a um retirante nordestino em 1942 para vender aspirinas nos sertões do Nordeste em um caminhão, tendo as projeções como atrativo de clientes.

ENCANTAMENTO
Os cineastas também se deslumbram com a reação encantada daqueles que nunca foram a um cinema, que acaba transformada em documentários. Foi o caso de “Cine Tela Brasil – Dez anos de cinema nas quebradas”, sobre os dez anos de estrada de Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi, com a viagem de carro iniciada em 1996. Filmes agitavam praças da periferia paulistana, centros comunitários, igrejas e escolas pelo Brasil. O Cine Mambembe, com anúncio das sessões ao público por alto-falantes, evoluiu para o Cine Tela Brasil, que adicionou oficinas de roteiro, filmagem e produção para populações carentes.

ESTRADA
Em uma década, foram 116.509 quilômetros percorridos e 7.439 sessões em 759 localidade,s para 1.355.403 pessoas. O trabalho se transformou depois de 2014, mas ainda se estendeu por cinco anos.

Por: DENISE MIRÁS

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