Depois de vender seu grupo de agências por quase R$ 1 bilhão e encarar um sabático no sofá, Nizan Guanaes renasce com seu novo negócio, a N Ideias, desenhando estratégias para algumas das maiores empresas do país, apontando investimentos, inspirando o lifestyle da elite e influenciando os influenciadores
Espelhos, livros e obras e arte contemporânea valiosas decoram a sala de 36 metros quadrados na cobertura do Edifício Pátio Victor Malzoni, na Avenida Faria Lima, mais conhecido como o Prédio do Google. Sentado em uma mesa longa, diante do skyline mais sofisticado da cidade, Nizan Guanaes pega uma folha em branco e desenha o gráfico de sua carreira de mais de quatro décadas. O gráfico parece um eletrocardiograma, com uma sucessão de altos e baixos. Visionário entusiasmado, estrategista nato, articulador de ideias, apelidado pelos amigos de fênix, Nizan Guanaes pensa grande e fala muito. Fala e faz. Para permanecer no topo da indústria da comunicação, já morreu e renasceu pelo menos meia dúzia de vezes.
Sua última e bem-sucedida sacada foi a criação da empresa N Ideias, na qual atua sozinho, acoplando equipes quando necessário e direcionando o trabalho de outras agências contratadas. Dessa forma leve, sem os custos nem os ônus das grandes operações, Nizan atende empresas capazes de alterar o PIB nacional, como Itaú, Marfrig, Ânima, Suzano, Magalu e JHSF. Não como uma agência de publicidade e sim como o senhor das estratégias, direcionando objetivos e ajudando a trançar caminhos para atingi-los. A ideia da consultoria começou a ganhar forma em 2015, depois da venda Grupo ABC para a americana Omnicom por cerca de R$ 1 bilhão.
Aos 64 anos, Nizan agora encara o sucesso de maneira holística. Manter o peso, cuidar da saúde, meditar, estudar e dedicar-se a causas do terceiro setor disputam espaço em sua agenda com o atendimento superpersonalizado que dedica aos seus poucos (e ótimos) clientes. “Quer dar uma olhada no meu Whatsapp para ver como divido meu tempo?”, pergunta ele. “Sim, claro!”. E ali estão bate-papos com os maiores CEOs do país, trocas de mensagens com gente de ONGs importantes (Gerando Falcões, Casa Santa Terezinha), artistas e músicos famosos, funcionários da ABL, fotos dos netos bebês, recados do treinador de corrida e por aí vai.
Durante a entrevista, sua cabeça de redator premiado, vencedor de Cannes nos anos 80, gira a mil. Como domina perfeitamente bem a arte de sintetizar ideias e criar slogans para causas, produtos e situações, Nizan dispara uma sacada atrás da outra, indo sempre “contra a opinião da manada” e os chavões. A seguir, tente acompanhar a cabeça de Nizan Guanaes em oito tópicos.
Estratégia, stratégie, strateegia
“O que é estratégia? É aquilo que você não faz. Não é ser melhor, é ser diferente. É saber qual é o consumidor que você não vai atender. Já fui publicitário, hoje sou estrategista. Isso vale para tudo, para a vida pessoal, para uma nação. Estratégia é storydoing. Uma cadeia de decisões entrelaçadas que tornam a estratégia da empresa óbvia, visível. O design da Apple é coerente com o prédio da Apple, que é coerente com as lojas, que são coerentes com o design dos produtos, que é coerente com o estilo de vida que Apple propõe e por isso o consumidor da Apple tem cara da Apple. O nome da Apple é coerente com todo storydoing da Apple. Não dava para ela ter essa estratégia toda e se chamar Microsoft (com todo o respeito), entendeu? Qual é a sua estratégica de vida? Qual é a estratégia do Estado brasileiro? A estratégia da China eu sei qual é. Estratégia, estratégia, estratégia. Qual é a sua?”
Fênix
“O fio condutor da minha vida é isso: insatisfação garantida ou seu dinheiro de volta (risos). Na hora que você atinge o platô, imediatamente vai estar no vale, não é? Então é melhor você continuar escalando. Só que nessa escalada você precisa encontrar outras formas de sucesso. Boa parte da publicidade na mídia on e off está sem estratégia. A propaganda era a alma do negócio. Mas em um mundo diverso, fragmentando, não binário e dispersivo, a estratégia é a alma do negócio. Eu já fui telefone, agora eu quero ser smartphone. Não tem nada que não esteja se reinventando. Tudo o que tem ‘agência’ no nome está se reinventando. Agência de viagem, de banco, de turismo, de emprego, de classificados. Essas coisas não vão morrer, vão renascer. O futuro é budista, tudo no mundo terá várias encarnações.”
Biruta
“Eu era o melhor redator da Bahia, o melhor criador da Bahia, podia ter ficado lá. Mas decidi ir morar no Rio de Janeiro e voltei para o final da fila. No Rio, comecei numa agência pequeníssima, a Flori, que era do filho do Chacrinha. Aí eu me consagrei com a campanha da Caixa Econômica Federal, com Luiz Fernando Guimarães, que era do Asdrúbal Trouxe o Trombone, e saí do status quo. Sou um cara que olha para onde o vento está indo, tipo uma biruta, sabe? A pior coisa que tem é você ficar lendo o livro de tendências de banco e de consultorias, que está posto para todo mundo. Tenho a capacidade de sentir o vento vindo e me reorientar.”
N Ideias
“O propósito da N Ideias é cuidar de clientes como se fossem causas, e de causas como se fossem um cliente. Acho que o Itaú é uma causa no Brasil, a Magalu é uma causa no Brasil, a Suzano também. Sabe empresas que iam fazer falta se não estivessem aqui? Elas são. A N Ideias não é só uma consultoria. Ela entende o que cliente é, o que ele quer ser e onde quer chegar. E traça uma estratégia com ele. Depois bota a mão na massa e faz junto. Cada caso é uma coisa específica. A JHSF, por exemplo, precisava vender um novo condomínio. Então identificamos um novo público para esse lugar e, analisando as circunstâncias, chegamos ao jovem atleta de triatlo. Construímos uma pista de triatlo numa área em comum e tudo foi vendido. Essa é a era do storydoing. Agora estou ajudando outro cliente a se tornar relevante na China. Como? Com networking.”
Lições de um ex-publicitário
“Estratégia é o seu jeito. Ser melhor não é importante. Se você quer ser melhor que o outro, faz o mesmo, só que melhor. E aí você cai no oceano vermelho da competição sangrenta. Só existem dois tipos de jogo, diferenciação ou preço. Meu trabalho é na ponta da diferenciação. Olha esta frase, isso é uma platitude: “O que nos trouxe até aqui não nos levará para a frente”. Isso não é verdade, é só um bom chavão. O que está acontecendo com muitas empresas? Elas parecem um tiozinho da Sukita (acho que muitos não vão entender essa referência), mas sabe aquele tiozão inconveniente que quer ser jovem desesperadamente e acaba parecendo velho para caramba? Então, as marcas não podem jogar seu DNA fora. Não gosto desse tipo de coisa, manada, platitude, pensar fora da caixa. Hoje há grandes oportunidades dentro da caixa.”
Disciplina
“Uma vida equilibrada tem um preço, que é o preço da disciplina. Acordo todo dia 6h da manhã. De janeiro para cá perdi 11 quilos, porque vou fazer a maratona de Chicago. Exercício é fundamental. O corpo é a loja física da alma. Faço meditação na hora do almoço. E estou levando o meu treinador para as minhas férias na Grécia, eu faço isso! As pessoas não gastam com vinho? Pagam R$ 20 mil, R$ 30 mil numa garrafa? Esse é o meu vinho! O cuidado da saúde é muito importante. Olha minha agenda de hoje: tenho psiquiatra às 18h e nutricionista às 18h30. Cuidar de mim faz parte dos meus compromissos.”
Felicidade in natura
“Tem duas coisas que também estão fazendo a minha cabeça atualmente: Aristóteles, que eu estou lendo há seis meses e não tem pessoa mais atual do que ele; e Patagônia, onde comprei uma área de reserva ecológica, na qual a legislação é absolutamente preventiva. É o mundo no seu papel em branco. Douglas Tompkins é um dos motivos para eu estar indo para lá. Ele revolucionou o pensamento diante da natureza da Patagônia e criou a marca North Face. Ele embebe suas marcas com essa visão circular do mundo. É aquilo, você precisa estar em lugares que são um papel em branco. As revoluções não vão nascer em Londres, elas vão nascer em Liverpool, em Jerusalém, nos lugares que você menos espera.”
Reinvenção
“Como ter mais sucesso e felicidade na segunda fase da vida do que na primeira? Traga a estratégia para a sua vida. Isso está no livro ‘Você Aguenta Ser Feliz’, que escrevi com o psiquiatra Arthur Guerra e que vamos lançar no segundo semestre. Cheguei aos 50 anos destruído pelo sucesso. Quando vendi o grupo ABC, tive um tempo de crise mesmo, um tempo de sofá, de falar: ‘E agora, o que eu vou fazer? E o que eu não vou fazer?’ É uma reconstrução física e espiritual, a reconstrução de entender o que o mercado quer e, principalmente, o que eu quero. Você volta novamente para a sandália da humildade. Se reinventar é voltar para o fim da fila.”
Reportagem publicada na edição 98, lançada em junho de 2022.
Por Maria Rita Alonso