O combate à corrupção no país depende, entre outros fatores, de programas efetivos de compliance nas empresas. Em julho deste ano, entrou em vigor o decreto federal 11.129/22, que atualiza as normas e regulamenta a Lei 12.846/13, também conhecida como Lei Anticorrupção.
O novo decreto, além de definir parâmetros de um programa de Compliance eficiente, destaca a importância das Monitorias de Programa de Compliance, na medida em que define esta atividade como condição para celebração de acordos de leniência para empresas que incorrerem em ilícitos da Lei anticorrupção.
Um dos pontos principais do texto é a necessidade e a eficiência dos programas de integridade. Conforme o artigo 56 do novo decreto, cabe às organizações empresariais “prevenir, detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira; fomentar e manter uma cultura de integridade no ambiente organizacional.”
“A partir do momento em que temos programas de compliance mais fortes nas empresas, avançamos no combate preventivo à corrupção”, afirma a sócia da EY Brasil para serviços em Forensic & Integrity, Marina Mantoan, autora, organizadora e coordenadora do recém-lançado livro “Monitoria de Programa de Compliance no Brasil” (Editora Mizuno, 256 páginas).
A obra aborda os principais pontos de uma monitoria de compliance – atividade essa cuja relevância foi reforçada pelas exigências trazidas no novo decreto. Dos fundamentos básicos até os detalhes do dia a dia da execução, passando por recomendações e trazendo a experiência dos autores, o livro tem o objetivo de ser um guia completo sobre monitorias de programas de compliance no Brasil.
Na entrevista que segue, Marina fala sobre a importância das monitorias e do compliance, além das mudanças técnicas provocadas pela regulamentação da Lei Anticorrupção.
Qual é a importância do compliance para a reputação de uma empresa?
Sabemos o quanto a reputação de uma empresa é importante para a continuidade de seus negócios. Um problema reputacional, como escândalos com envolvimento com corrupção e outros crimes, pode prejudicar a organização e seus stakeholders, com perda de confiança da marca no mercado, perda de funcionários e parceiros que não querem mais associar-se àquela marca. Pode haver também prejuízos financeiros por diversos fatores, com controle de danos e gestão de crise, multas e penalidades, quebra de contratos, assessoria jurídica e processos, entre outros problemas.
Como atua o compliance?
Ele atua em diversas frentes para proteger a reputação de uma empresa. De forma preventiva, ajuda a criar e manter sempre relevantes e atualizadas suas regras e procedimentos internos, para proteger a organização de diversos riscos: corrupção, suborno, fraudes, práticas anticoncorrenciais e anticompetitivas, dentre outras transgressões, que variam de acordo com o risco específico do negócio de cada empresa. Não somente o risco do negócio em si, o risco de reputação pode advir de atividades secundárias internas, tais como: parcerias com terceiros, clientes ou infrações cometidas por funcionários. Tudo isso pode levá-la a se envolver em fatos que podem prejudicar sua reputação.
O compliance também deve manter controles internos para identificar e detectar qualquer ato ou transação suspeitos, tratando-os de maneira adequada.
Qual é a importância do Decreto 11.129?
O Decreto 11.129/22 (chamado de “Novo Decreto”) substitui o decreto anterior 8420/2015 e serve para regulamentar a lei 12.846/13, conhecida como “Lei Anticorrupção”. Fica claro, no novo decreto, a importância de um programa de compliance prévio, já que a legislação traz benefícios adicionais às empresas que já o tivessem, em relação às que não têm e que buscarão implementá-lo apenas depois da instauração do Processo Administrativo de Responsabilização (PAR).
Quais são os principais pontos do decreto e como ele deve contribuir para o combate à corrupção?
O Novo Decreto regulamenta, principalmente, temas relacionados à dosimetria das multas, elucidação dos parâmetros de um programa de compliance, definição quanto à negociação, celebração e cumprimento do acordo de leniência e detalhamento de regras e procedimentos para a investigação preliminar ao Processo Administrativo de Responsabilização (PAR). No que diz respeito ao avanço do combate à corrupção, podemos destacar que ele traz maior segurança e direcionamento na execução dos trabalhos dos profissionais que atuam nesta área, bem como para as empresas envolvidas. Tais parâmetros ajudarão a guiar e nortear as empresas para que possam fortalecer e manter mais eficientes seus programas de conformidade, guiando-se pelos indicadores trazidos pela lei para avaliação e monitoramento destes. Com programas de compliance mais fortes, avançamos no combate preventivo à corrupção.
O texto destaca muito os acordos de leniência. O que é e qual a importância do acordo de leniência para uma empresa que esteja sob investigação das autoridades públicas?
O acordo de leniência é um instrumento jurídico que contribui para a celeridade da investigação de crimes e fraudes de natureza civil e administrativa, fomentando a cultura de integridade no setor privado, em benefício de todas as partes envolvidas. É um instrumento de investigação e traz benefícios para a empresa leniente, para a autoridade pública investigadora e para a sociedade. A empresa infratora irá oferecer voluntariamente informações e fatos relevantes para a autoridade pública, ganhando, em troca, uma série de benefícios no sentido da minoração da pena. Ela poderá ter diminuída sua pena pecuniária, com a diminuição de multa, obter a eliminação da ação punitiva da administração pública, evitar (ou conseguir a extinção) da proibição de receber incentivos, auxílios, empréstimos, doações, entre outros, de órgãos ou entidades públicas, incluindo bancos, entre outros. Além disso, a empresa iniciará a gestão dos seus riscos de reputação, na medida em que evita possíveis crises reputacionais alardeadas pela mídia, uma vez que já estará em acordo, ajustando sua conduta junto à autoridade pública.
Já a autoridade investigadora, por sua vez, verá incrementada sua capacidade de investigação, tendo muito mais informações a seu dispor, e consequentemente mais facilidade na condução da sua investigação, seja na obtenção de informações ou no entendimento do contexto completo do ocorrido. Consequentemente, é potencializada a capacidade estatal de recuperação de ativos, o que beneficia as autoridades e a sociedade. Finalmente, para o acordo ser firmado a empresa deve cessar imediatamente os atos ilícitos, sendo que a sociedade sai mais uma vez beneficiada.
Um dos pontos para o acordo de leniência são as monitorias previstas em lei. O que são essas monitorias e por que elas são importantes?
A monitoria vem como instrumento das autoridades para alavancar a maturidade do programa de compliance, buscando cessação das falhas, por meio da implantação de processos e procedimentos que permitam que a empresa, de forma preventiva, evite a ocorrência dos ilícitos, ou que tenha controles eficientes que possam prontamente detectá-los, para que sejam tomadas as medidas cabíveis.
Uma das mudanças mais relevantes do novo decreto é que ele define a monitoria como condição para celebração de acordos de leniência. Apesar de a regra vir como novidade da legislação, a imposição de monitorias independentes já vinha sendo aplicada no Brasil. As monitorias também são importantes para garantir uma mudança de cultura e efetividade na implementação dos novos programas de ética e conformidade, na medida em que ajudam a empresa infratora a readequar suas práticas e a tornar o seu programa de compliance mais efetivo.
Como o livro pode contribuir para empresas, consultores e autoridades púbicas nas discussões e nos conhecimentos sobre monitoria de programas de compliance?
O objetivo da obra é ser um guia completo e aprofundado sobre todos os aspectos relevantes de monitorias independentes no Brasil. Por meio de experiências reais dos nossos autores, buscamos trazer um panorama geral sobre a monitoria de compliance no país, além de responder às principais questões relevantes sobre o tema, tecendo considerações e recomendações para preparar o leitor para as situações que pode enfrentar no curso de uma monitoria de programa de compliance. Essa obra conseguiu juntar alguns dos mais experientes nomes da monitoria de Compliance no Brasil, para contarem suas experiências sob a visão de cada um, em posições diferentes – empresa monitorada, expectativa da autoridade pública, monitor independente, advogados e outros. Certamente, muitos colegas qualificados e experientes que ocuparam essas mesmas posições em monitorias independentes passaram por experiências semelhantes, sempre desafiadoras, e os convido a fomentarem discussões e eventos sobre o tema, para que possamos incentivar juntos, cada vez mais, a cultura de integridade no Brasil.
Fonte: Diário do Comércio