Pesquisadores americanos desenvolveram um sistema baseado em inteligência artificial capaz de detectar precocemente a doença de Parkinson, apontar sua gravidade e progressão. Tudo isso analisando a respiração noturna da pessoa.
A relação entre a doença e a respiração foi notada ainda em 1817, no trabalho pioneiro de James Parkinson. Ela foi confirmada em pesquisas posteriores, porém ainda não é aplicada na avaliação dos pacientes, geralmente diagnosticados com base em sintomas clínicos relacionados às funções motoras, como tremor e rigidez.
“A doença de Parkinson apresenta sintomas motores, mas também não motores. Perda de olfato e depressão, por exemplo, são achados que se encontram muitas vezes antes do aparecimento dos sintomas motores, mas como são muito presentes na população, é difícil atribuir como manifestação da doença. Se começamos a ter outros marcadores, conseguimos somar para identificar precocemente a doença”, explica Carlos Roberto Rieder, presidente da ABN (Academia Brasileira de Neurologia).
Para o médico, a grande relevância do estudo, liderado por cientistas do MIT (Massachusetts Institute of Technology) e publicado na última semana na revista científica Nature Medicine, é justamente avaliar o padrão ventilatório que pode surgir antes do aparecimento dos sintomas motores, os quais costumam ocorrer quando já houve perda considerável de neurônios. Diagnosticar precocemente é uma forma de reduzir esse dano.
“A literatura médica já relatou vários sintomas respiratórios de DP [doença de Parkinson], como fraqueza dos músculos respiratórios, distúrbios respiratórios do sono e degeneração em áreas cerebrais que controlam a respiração, porém sem o nosso modelo baseado em IA, nenhum médico hoje pode detectar a doença ou avaliar sua gravidade a partir da respiração”, afirma o grupo responsável pela pesquisa.
Os cientistas criaram um modelo de análise a partir dos dados de 7.671 pessoas, 757 delas com a doença, com um total de mais de 120 mil horas de sinais respiratórios noturnos. Os dados foram captados de duas maneiras: por um cinto colocado no peito ou no abdômen do participante que grava a respiração durante toda a noite ou por um sensor sem fio que, instalado no quarto, analisa as ondas de rádio do ambiente e extrai os sinais de respiração.
Além do diagnóstico, o biomarcador funciona como indicativo da progressão da doença, realizada atualmente a partir de um questionário chamado MDS-UPDRS (Movement Disorder Society Unified Parkinson’s Disease Rating Scale). “É uma escala que avalia várias pontuações dadas para a presença de tremor e lentidão, por exemplo. O fato é que toda progressão é baseada em achados clínicos”, comenta Rieder.
De acordo com os pesquisadores, essa avaliação clínica é parcialmente subjetiva, não tem sensibilidade para capturar pequenas mudanças na condição do paciente e requer visitas frequentes a unidades de saúde. Além disso, os ensaios clínicos para aprovação de novos remédios para a enfermidade precisam durar vários anos, até que mudanças no MDS-UPDRS possam ser relatadas com confiança estatística suficiente.
“Nos estudos clínicos, começamos a usar a droga para verificar se ela altera a evolução da doença quando há o diagnóstico clínico dos sintomas motores, mas aí acaba sendo tarde. Até o momento, não existe nada nesse sentido, então é um avanço”, afirma Rieder.
A partir de um dos bancos de dados usados, os autores do artigo compararam os sinais de respiração em duas visitas, com seis anos de intervalo, e descobriram que, em 75% dos casos de pacientes diagnosticados no segundo encontro, o modelo foi capaz de prever indícios da doença já na primeira avaliação.
Na pesquisa, os cientistas verificaram que o modelo consegue capturar a gravidade da doença com significância estatística. Ele tem essa capacidade porque agrega medidas de várias noites seguidas, algo inviável hoje, já que o paciente não conseguiria ir várias vezes à clínica repetir o MDS-UPDRS.
“Nossa abordagem tem o potencial de reduzir o custo e a duração dos ensaios clínicos de DP e, portanto, facilitar o desenvolvimento de medicamentos. O custo médio e o tempo de desenvolvimento de medicamentos para DP são de aproximadamente US$ 1,3 bilhão e 13 anos, respectivamente, o que limita o interesse de muitas empresas farmacêuticas na busca de novas terapias”, argumentam os autores.
Eles dizem que o sistema pode, no futuro, ser implantado nas casas de pacientes com a enfermidade e daqueles com alto risco para a doença. Até lá, porém, o modelo precisa ser testado com todos os subtipos da doença e são necessários estudos com amostras maiores.
Por: STEFHANIE PIOVEZAN