Nos últimos anos, grandes empresas do mundo da moda têm faturado bilhões com um novo padrão de produção e consumo no qual os produtos são fabricados, consumidos e descartados de uma forma mais rápida – a tão conhecida fast fashion.
Apesar de um movimento de compra de roupas usadas, que começou há cerca de 10 anos no Brasil e já alcançou grandes marcas de luxo como a Gucci e a Burberry, por exemplo, as redes de fast fashion nunca estiveram tão fortalecidas e especialistas já falam que vivemos a era do ultra fast-fashion.
Nos últimos anos, grandes empresas do mundo da moda têm faturado bilhões com um novo padrão de produção e consumo no qual os produtos são fabricados, consumidos e descartados de uma forma mais rápida – a tão conhecida fast fashion.
Apesar de um movimento de compra de roupas usadas, que começou há cerca de 10 anos no Brasil e já alcançou grandes marcas de luxo como a Gucci e a Burberry, por exemplo, as redes de fast fashion nunca estiveram tão fortalecidas e especialistas já falam que vivemos a era do ultra fast-fashion.
Um exemplo desse novo momento de rapidez e roupas descartáveis é a chinesa Shein, que aproveitou o hype das mídias sociais durante a pandemia e caiu no gosto do público jovem com preços baixos, entregas rápidas e tendências usadas por influenciadores digitais.
Reportagem do jornal britânico “The Guardian” mostra que a empresa saiu de uma receita de US$ 2 bilhões em 2018 para US$ 15,7 bilhões em 2021.
Com um marketing agressivo, descontos constantes e com tempo limitado, a ideia é mostrar que o consumidor não terá outra oportunidade. E assim, a marca chinesa produz 10.000 novos produtos por dia.
O problema, dizem especialistas, é a velocidade da produção, do consumo e o destino dessas roupas.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a indústria da moda é responsável por entre 2% e 8% das emissões globais de carbono, com grande impacto sobre o clima.
Segundo a professora Cristina Sant’Anna, da Faculdade Santa Marcelina, “vivemos numa economia capitalista, baseada no acúmulo de riquezas e extração de recursos naturais de forma predatória e esta economia moldou e transformou a relação homem-natureza, rompendo com a harmonia que outrora existia nesta relação”, disse à CNN.
Para tentar mudar esse cenário, o movimento “eco fashion”, se apresenta como uma alternativa ao fast fashion para reduzir o impacto da indústria têxtil nos ecossistemas.
Impacto da indústria da moda
No ano passado, a indústria da moda renovou o compromisso com ações para combater a mudança climática. O anúncio foi feito na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática, COP26, que visa ações para conter o aquecimento global.
O documento elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), e pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (Unfccc), conta com 131 empresas de moda e 43 apoiadores.
Entre os dados estudados pelo Pnuma, está o volume da produção de roupas, que praticamente dobrou nos primeiros 15 anos deste século.
E boa parte dessa produção vão parar em aterros, como o deserto do Atacama no Chile, que se transformou em um lixão clandestino de roupas que se compram, vestem e se descartam, nos Estados Unidos, Europa e Ásia.
Outra questão é a água. Segundo a Pnuma, a indústria da moda é o segundo setor que mais consome água e produz cerca de 20% das águas residuais. Além disso, libera 500 mil toneladas de microfibras sintéticas nos oceanos por ano.
O problema, no entanto, não se restringe ao consumo de água: outra preocupação das autoridades é a poluição dos cursos da água. Até 2012, cerca de 20% das águas residuais globais são causadas por processos de tingimento e acabamento na indústria da moda.
Para além desses fatos, Jacques Demajorovic, professor do Programa de Pós-Graduação em Administração da FEI, diz que a indústria da moda é responsável por um grande “impacto social”.
“Esse não é só um impacto ambiental. A gente tem um impacto social. É uma indústria que terceriza sua produção e muitas vezes, sem um adequado sistema de auditoria”, disse à CNN.
Ações individuais
A estilista Gloria Coelho, que lançou a marca que leva seu nome há 47 anos no mercado brasileiro, avalia que a pandemia acelerou muito um processo de conscientização.
“Sinto que as pessoas estão mais inclusivas, mais ecológicas, sustentáveis”, disse.
Sua marca, por exemplo, está reutilizando tecidos antigos em vez de novos. A estilista contou em entrevista à CNN que sente que essa atualmente é uma “obrigação”.
“São 47 anos de empresa. Estamos usando todo o estoque antigo de tecido, o que sinto que é uma grande obrigação. O que eu faço é dar um novo significado para ele”, afirmou.
Para ela, “esses tipos de atitudes são pequenas, mas já é um começo”.
Gloria diz que “para a coleção mais recente, usamos um tecido de 2003. Alinhamos a estampa de uma outra forma. Quase 20 anos depois”.
Além de atitudes como a da marca de Gloria Coelho, há também um aumento significativo de compra de roupas usadas.
Os brechós estão em todas as partes, marcas de luxo estão vendendo peças vintage e qualquer pessoa hoje parece encontrar um lugar para deixar as roupas que não usam mais – e ainda ganhar um dinheiro com isso.
De acordo com o professor Demajorovic, “reciclar a roupa é uma ações que soa como algo muito positivo”.
“O impacto é muito menor que aquela roupa que ainda vai começar a ser produzida, mas não é isso que irá resolver todo o problema da indústria da moda”, disse ele.
A roupa de segunda mão, como essas de brechós, gera também um impacto econômico. Uma pesquisa publicada na Statista, especializada em dados de mercado e consumidores, mostrou que em 2021, o valor de mercado global de roupas de segunda mão e revenda foi estimado em US$ 96 bilhões.
Pesquisadores acreditam que esse valor deverá aumentar rapidamente nos próximos anos, mais do que duplicando de tamanho de 2021 a 2025, antes de atingir um valor de 218 bilhões de dólares em 2026.
Mas no Brasil, os passos com a questão da sustentabilidade e moda, ainda são lentos, segundo os especialistas.
“A gente tem uma questão muito grande aqui em relação aos tecidos. Temos uma falta de produtos sustentáveis de alta qualidade no Brasil”, afirma Gloria.
E não só: no país, roupas velhas, retalhos da indústria da moda e peças de couro compõem as mais de 4 milhões de toneladas de resíduos têxteis descartados por ano. O contingente corresponde a 5% de todos os resíduos produzidos país.
“Algumas pessoas ainda estão relutantes em comprar peças de segunda mão, principalmente sapatos. Mesmo a roupa enfrenta preconceito de um brasileiro supersticioso, cujas crenças muitas vezes levam a não usar peças de segunda mão por julgarem que carregam “energias negativas”, diz a professora Cristina.
Um padrão de consumo impulsionado pela Geração Z
O mercado de vestuário abrange todos os tipos de roupas, de esportivas a de negócios e à peças de luxo.
Após uma queda em 2020 durante a pandemia de coronavírus, quando o fechamento das lojas impactou as vendas, o mundo deve estar pronto para ver a demanda global por roupas e sapatos aumentar novamente, segundo a Statista.
A receita do mercado global de vestuário foi calculada em cerca de US$ 1,5 trilhão em 2021 e a previsão é de que aumente para aproximadamente US$ 2 trilhões até 2026.
Os países que respondem pela maior parte dessa demanda de vestuário são os Estados Unidos e a China, ambos gerando receitas substancialmente mais altas do que qualquer outro.
E isso, deve-se, por conta de um consumo desenfreado, impulsionado por um marketing agressivo entre os jovens.
“A fast fashion é alimentada pelas mídias sociais, focando os consumidores da Geração Z. Até a Shein aplica Inteligência Artificial em canais de mídia social para determinar os produtos que vai produzir e fabrica praticamente ‘sob demanda’, o que permite que eles lancem peças com base em seu desempenho”, avalia Cristina.
A ONU observou que o número de vezes que uma roupa é usada antes de ser descartada diminuiu 36%. Outras pesquisas mostram extensão da vida útil de itens e troca de peças como práticas para maior redução nos impactos climáticos.
“Se o ritmo atual for mantido, o setor não deverá cumprir as metas de redução de emissões pela metade até 2030”, diz a agência.
Colocar a moda no caminho da prosperidade financeira, social e ambiental a longo prazo exigirá mais do que empresas individuais estão realizando.
Demajorovic diz que as ações individuais e o consumo consciente são extremamente importantes para reduzir o impacto a longo prazo, mas deve haver uma legislação mais firme na relação entre estado-empresa.
“Acho que não só as empresas, mas o poder público também é responsável sobre a fiscalização desses produtos. Do lado do consumidor, é claro que ele pode ter uma papel importante, mas ele precisa ser informado adequadamente. Precisa haver informações eficientes entre o consumo consciente e um consumo desenfreado”, disse.
Para Cristina, “o verdadeiro desenvolvimento sustentável é aquele que não esgota os recursos para o futuro, e requer planejamento e o reconhecimento de que os recursos são finitos. Ele não deve ser confundido com crescimento econômico, pois este, em princípio, depende do consumo crescente de energia e de recursos naturais”.
O que pode ser feito
Diversas são as alternativas para mudar o consumo desenfreado, dizem os especialistas. Além da colaborações de líderes do setor internacionalmente, é necessário priorizar uma estratégia responsável de longo prazo, apesar da pressão para gerar resultados positivos.
“Existem vários caminhos: um deles é responsabilizar a indústria têxtil por fazer a logística reversa das vestimentas ao final da vida útil, como já existe com bateria, celular etc”, afirmou Demajorovic.
O professor da FEI cita ainda que “hoje tem como fazer uma economia circular, aumentando a circularidade e valorizando aquilo que tem menos impacto ambiental”, disse Demajorovic.
Como o aluguel de roupas, por exemplo, que para Cristina, “ainda está vinculado a ocasiões especiais aqui no Brasil”.
O professor cita exemplos de marcas na Europa que utilizam a roupa usada como moeda de troca: o usuário devolve a peça, e dependendo do estado, ganha desconto para um novo produto. Já a peça devolvida, é reciclada e vira uma nova vestimenta.
Cristina explica que “os consumidores estão considerando as compras como um investimento, um capital para gerar lucro”.
“No exterior vários players de moda tem experimentado oferecer peças para aluguel, como a Maje, Burberry, Jean Paul Gaultier, H&M ou Kiabi. A tentativa é ter o aluguel de roupas como um serviço que pode contribuir para uma maior circularidade na indústria da moda”, disse ela.
Para Demajorovic, é necessário uma “nova mentalidade”.
“Acho que o futuro vai ser muito no sentido do conceito da economia compartilhada: ‘Por que eu preciso ter a posse do jeans?’ ‘Por que eu não posso ter o serviço jeans?’ Eu uso e devolvo”, reflete.
Por: Ingrid Oliveira da CNN