Estamos vivenciando um momento de intensas mudanças climáticas, fruto direto do padrão global de desenvolvimento insustentável das últimas décadas, principalmente devido ao uso elevado de energia fóssil (petróleo, carvão, gás), desmatamentos e incêndios florestais. Ao mesmo tempo, a FAO aponta uma multidão de quase um bilhão de cidadãos de diferentes países, com insegurança alimentar. Em nosso país, a fome atinge mais de um terço dos brasileiros.
As mudanças climáticas geraram adversidades para a agricultura, especialmente com as secas, que reduzem a produção agrícola. Criou-se, então uma aparente inequação: para produzir mais alimentos, seria necessário abrir novas fronteiras, normalmente com desmatamento. Isso agravaria ainda mais os eventos extremos do clima, principal componente das mudanças climáticas, que, ao final, reduziriam ainda mais a produção agrícola.
Entrementes, a História demonstra que, nas crises, a Ciência sempre desponta com uma solução. Eis que surge uma esperança no horizonte: novos arranjos genéticos nas plantas cultivadas, que podem aumentar substancialmente a produção agrícola sem expandir a área cultivada.
Os antecedentes
Como regra geral, para conseguir aumentos de produtividade, é necessário melhorar, conjuntamente, diversos componentes dos sistemas de produção. São raros os eventos que, de per se, oferecem incrementos expressivos. Isto ocorreu, por exemplo, com a descoberta dos ganhos pelo vigor híbrido, ou quando se entendeu a importância de determinados elementos químicos para fertilização, ou ainda de pesticidas para controlar pragas.
Atualmente, a oferta de polinização adequada tem permitido aumentos de produtividade muito acima da média, sem acréscimo de custos para o produtor. Por exemplo, a Embrapa descobriu que, quando a soja recebe polinização suplementar com uma população adequada de abelhas próximo à lavoura, a produtividade pode aumentar em até 18%, a custo zero para o agricultor, reduzindo a taxa de emissão de gases de efeito estufa por unidade de produto agrícola colhida. Ou seja, menos impacto no clima.
O rendimento de uma planta é muito complexo, sendo o resultado da ação de muitos genes que interagem para influenciar a produtividade. Durante anos, foram procurados genes únicos que aumentassem o rendimento, sem sucesso. A abordagem recente está focada em genes que controlam outros genes. Assim podem ser trabalhados, de forma conjunta, fatores que influenciam o rendimento, como processos fisiológicos, a absorção de água e nutrientes, a fotossíntese e a translocação dos fotossintatos para os frutos e sementes.
Em 2019 um estudo provou que a modificação de um gene regulador no milho proporciona um ganho de rendimento de 10%. O que já é significativo, se comparado ao aumento médio de 1% ao ano, obtido pelo melhoramento clássico.
A Ciência básica
Os cientistas já sabiam que os processos biológicos complexos, existentes nos organismos vivos, são normalmente controlados por fatores de transcrição. Esses fatores regulam a expressão de conjuntos de genes e, também, ativam outros fatores de transcrição associados ao processo biológico, todos atuando de forma coordenada. É o caso do processo de crescimento e desenvolvimento de plantas, e do uso de fatores externos, como nutrientes, água, gás carbônico e energia, que ocorre na fotossíntese.
E o que são fatores de transcrição? Trata-se de proteínas que se ligam ao DNA, criando uma “ponte” entre a enzima RNA-polimerase e o DNA, permitindo a transcrição do DNA para o RNA. A principal função do RNA é permitir que toda a informação contida no DNA possa ser copiada e transportada até as estruturas responsáveis pela síntese de proteínas.
Importante também relembrar outros conceitos, que estão envolvidos na nova descoberta: transcriptoma é o conjunto completo de transcritos (RNAs mensageiros, ribossômico ou transportadores e os microRNAs) de um organismo, sendo o reflexo direto da expressão dos genes; metaboloma é o conjunto de todos os metabólitos (produzidos ou modificados), presentes em um organismo, sendo os produtos finais dos processos celulares; plantas C4 são aquelas cujo primeiro produto da fotossíntese é uma molécula com 4 átomos de carbono, um “aprimoramento” das plantas C3, cujo primeiro produto é uma molécula com 3 átomos de carbono.
A fotossíntese de plantas C4 é uma adaptação das plantas à fotorrespiração – o que é muito comum em ambientes quentes e secos. As plantas C4 são muito mais eficientes que as C3, em condições de maior temperatura, luminosidade, uso de CO2 atmosférico e quando ocorre déficit hídrico, dentro dos limites aceitos pelo metabolismo das plantas.
A descoberta científica
Um grupo de cientistas liderados pelo Dr. Shaobo Wei (Institute of Crop Sciences, Chinese Academy of Sciences) realizou uma análise comparativa de transcriptomas e metabolomas de folhas de milho e arroz. O estudo revelou um conjunto de 118 fatores de transcrição que podem atuar como reguladores da fotossíntese de plantas do tipo C4, as quais, naturalmente, são mais eficientes do ponto de vista fotossintético.
Dos 118 fatores, a equipe selecionou 13 genes que eram ativados quando as plantas de arroz foram cultivadas em solo pobre em nitrogênio. Desses, cinco propiciaram a que a planta absorvesse até 300% mais nitrogênio. Contudo, o principal mérito do grupo foi identificar um fator de transcrição que regula a fotossíntese em arroz. Trata-se de um membro da família DREB (Dehydration Responsive Element Binding), denominado OsDREB1C. A importância da descoberta é que esse fator tem sua expressão induzida por alta intensidade luminosa e baixo teor de nitrogênio.
Os cientistas demonstraram que o fator OsDREB1C atua em diversos processos de transcrição que, ao final, determinam a capacidade fotossintética, utilização de nitrogênio e do carbono, e até o início e a duração do florescimento de uma planta e de seu ciclo. O gene exibe propriedades esperadas de um regulador que pode modular, simultaneamente, a fotossíntese e a utilização de nitrogênio, especialmente em condições de baixo teor desse elemento.
Testes de campo
Para verificar o que ocorreria no campo, os cientistas inseriram uma cópia extra do gene OsDREB1C, em uma variedade de arroz chamada Nipponbare. Para usar como comparador, também eliminaram o gene em outras plantas de arroz da mesma variedade. No campo, as plantas sem o gene cresceram menos do que as plantas de controle, enquanto aquelas com cópias extras de OsDREB1C cresceram mais rápido e tinham raízes mais longas.
E o mais importante: os rendimentos do arroz com cópia extra do gene foram 41 a 68% mais altos que na sua ausência. Os testes foram realizados durante três anos, em três locais, com climas que incluíam deste temperado até tropical. O aumento da produtividade se deveu ao maior número de grãos por panícula, peso de grãos mais elevado e índice de colheita aprimorado.
Além disso, a duração do ciclo da semeadura à colheita foi mais curta, houve melhora na eficiência do uso de nitrogênio e de outros recursos. As plantas superexpressando o gene OsDREB1C-OE floresceram de 13 a 19 dias antes e acumularam maior biomassa no estágio de enchimento de grãos. Nos estudos preliminares com trigo, os aumentos de produtividade variaram de 17 a 22%.
A boa nutrição foi uma das razões para o aumento de produtividade. Usando nitrogênio marcado com radioisótopos foi demonstrado que as plantas com cópias extras de OsDREB1C absorveram muito mais nitrogênio através de suas raízes. As plantas modificadas também tinham um terço a mais de cloroplastos, as organelas fotossintéticas dentro das células vegetais responsáveis pela fotossíntese. Também apresentavam um teor 38% superior de RuBisCO, uma enzima chave na fotossíntese, que também é a proteína mais abundante no planeta Terra.
A importância da descoberta
Mais que o crescimento populacional, o incremento da renda per capita no mundo aumenta a demanda de alimentos e, especialmente, de proteínas animais. Outras demandas recaem sobre a agricultura, como a produção de energia, madeira, fibras e flores.
Seguindo o paradigma vigente, o aumento da produção ocorreria por algum grau de expansão de área e aumento do consumo de fertilizantes. A descoberta do Dr. Wei e sua equipe permite aumentos de rendimento por maior eficiência de uso de um recurso caro, escasso e poluente – fertilizante nitrogenado – reduzindo o custo dos alimentos e o impacto ambiental da produção.
O estudo demonstrou que a superexpressão de OsDREB1C não apenas aumenta o rendimento de grãos, mas também confere maior eficiência no uso do nitrogênio, floração precoce e ciclo mais curto. Do ponto de vista da fisiologia das plantas, o estudo demonstrou que este gene pode ser alvo de futuras estratégias de melhoramento de culturas, embasando sistemas de produção agrícolas mais sustentáveis.
Como ainda persiste uma discussão sobre o uso de engenharia genética em alimentos, os cientistas também estudam editar o genoma das plantas, usando técnicas como o CRISPR/Cas9 ou semelhantes. Isso é possível porque o gene OsDREB1C e outros similares estão naturalmente presentes em muitas plantas cultivadas, não havendo necessidade de sua introdução nas mesmas.
Essa descoberta é mais uma prova irrefutável da importância transcendental de investimentos portentosos e continuados em Ciência. A sociedade chinesa receberá de volta milhões de vezes mais do que investiu nesse projeto de pesquisa. E como o mundo também se beneficiará, o retorno para a sociedade global será bilhões de vezes maior do que o valor que a China investiu no grupo de pesquisa do Dr. Shaobo.
Que isto sirva de exemplo para o Brasil, onde o agronegócio ponteia como a grande locomotiva da economia, do desenvolvimento, do emprego, da renda e das divisas provenientes do comércio exterior.
Figura Ilustrativa da pesquisa:
As etapas da descoberta. Adaptado do artigo de Wei et al. (A transcriptional regulator that boosts grain yields and shortens the growth duration of rice), publicado na revista Science (22/07/2022), disponível em https://www.science.org/doi/10.1126/science.abi8455
Por Décio Luiz Gazzoni, Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa e membro fundador do Conselho Científico Agro Sustentável
Fonte: CCAS