Tomei uma decisão nas eleições de 2018 e pretendo levá-la à risca quantas vezes mais eu tiver a sorte de comparecer diante de uma urna eletrônica até o fim da vida: votar somente em mulheres para cargos legislativos.
Havendo oportunidade, pretendo fazer o mesmo para cargos executivos, mas sei que nem sempre será possível. A meta poderá se revelar igualmente difícil em determinadas eleições para o Senado, porque não costuma ser grande o número de postulantes, e talvez aconteça de eu não ter afinidade ideológica com as candidatas da vez. Mas tentarei. Sempre.
A coisa muda de figura nas eleições para Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa e Câmara dos Vereadores. Aí não tem desculpa. É impossível inexistir candidatas que mereçam o meu voto, bem como o de todos os demais eleitores. Elas existem, entram no páreo a cada dois anos e continuadamente tornam cristalina a certeza de que, quanto mais ocuparem essas Casas, melhores serão nossas políticas públicas — há pesquisas que comprovam isso e já escrevi sobre uma delas aqui.
Bem, desde 2018, essa minha meta está com 80% de cumprimento. De cinco votos, quatro foram em mulheres. Naquele ano, votei numa mulher e num homem para o Senado, e ela foi eleita. Escolhi uma estreante deputada federal, que está hoje no Congresso me enchendo de orgulho. Uma pena, minha candidata à Assembleia paulista não foi eleita e, dois anos depois, em 2020, minha vereadora também não venceu. Mas bola para frente.
Certamente deve haver gente que ache essa meta uma bobagem, ou algo inadequado, mas é o mínimo que posso fazer para ajudar a reverter uma triste situação na área em que nossa desigualdade de gênero é mais gritante: a política.
Não que nas outras áreas a coisa esteja de vento em popa, longe disso. O último relatório “Global Gender Gap Report”, do Fórum Econômico Mundial, escancara um quadro dramático para o Brasil. O relatório foi lançado este mês e já foi tema de reportagens aqui e ali, mas se torna urgente olhá-lo no detalhe e discutir à exaustão alguns indicadores.
Estamos em 94º lugar no ranking geral entre 146 países. Se considerarmos somente os países da América Latina e Caribe, amargamos um sofrido antepenúltimo posto: somos a 20ª nação entre as 22 da lista, à frente apenas de Belize e Guatemala — Cuba e Venezuela não estão no ranking.
O relatório de 374 páginas avalia os gaps de gênero mundo afora em quatro grandes pilares: nível educacional, saúde, participação econômica e empoderamento político. Nos dois primeiros, até que estamos bem. Ocupamos, ao lado de vários outros países, o primeiro lugar. Não significa que nossa educação e saúde estejam boas, apenas não existem grandes diferenças entre homens e mulheres no acesso a elas.
Ao pular para o pilar de participação econômica, o Brasil inicia uma queda ladeira abaixo. Pegamos o 85º lugar. Nos cinco subitens deste pilar, a situação mais penosa está no que mede a “igualdade salarial para trabalho semelhante”, em que ficamos na 117ª posição do ranking.
Mas é no empoderamento político que a gente capota no penhasco. O Brasil está em 104º neste pilar, com destaque negativo para o subitem “mulheres no parlamento”, onde caímos ainda mais, para 119º. Uma lástima.
Esse report do Fórum Econômico Mundial é anual e existe desde 2006, porém eu não sabia da sua existência quando estabeleci há quatro anos a meta de só votar em mulheres. Tomar conhecimento de tamanha profusão de dados só reforça esse propósito. As distorções que o report expõe podem ser tateadas no ar. Toda mulher sente isso na pele, e todo homem pode se dar conta disso, se olhar um palmo à frente do próprio nariz nas empresas, das casas legislativas, dos lares de todo o país.
A atenção para o problema desencadeada pelo frisson ESG no mundo corporativo conseguirá mudar alguns ponteiros, mas não será suficiente.
Então faço um convite: que tal traçar uma meta semelhante a partir das eleições deste ano? Aí então estaremos não apenas contribuindo para a construção de um mundo mais justo e igualitário, como também dando passos mais largos para a solução da nossa lista infindável de problemas cotidianos, do desmatamento ao descaso com a infância, da educação à segurança pública, da (falta de) cultura às políticas regulatórias, porque, não importa a área, a chance de uma mulher se empenhar mais e demonstrar mais competência será sempre maior.
Por Renato Krausz