Enquanto ainda luta para conectar plenamente suas escolas e estudantes, o Brasil precisa correr para acompanhar o ritmo da tecnologia: a cada dia que passa, mais concretas ficam ferramentas como inteligência artificial, robótica e até metaverso — uma interseção entre a realidade e o mundo virtual. Todas elas prometem causar um tremendo impacto nas salas de aula.
— A escola pública não é apenas para transmitir conteúdo, mas também para aliar tecnologias para transformar realidades. Vai muito além de copiar a lição e fazer prova. Quando você alia o pouco de tecnologia digital que tem às metodologias de sala, já consegue passar outra perspectiva para o aluno que cresce no meio digital e vai precisar dele em todas as fases da vida — afirmou Greiton Toledo, matemático e professor, no Festival LED.
As possibilidades são enormes e cada vez mais reais. Com inteligência artificial, seria possível, por exemplo, o professor utilizar seus conhecimentos para produzir um vídeo educacional, com elementos populares nas redes sociais, para aumentar a motivação dos estudantes. Outra possibilidade, que já tem sido implementada em instituições de ensino brasileiras, é fazer com que a máquina aprenda a analisar os padrões de resposta dos estudantes e a formular um diagnóstico individualizado de dificuldades de aprendizagem dos educandos.
Um pouco mais distante está o metaverso, que acena com a ideia fantástica de alunos e professores viajarem virtualmente para outras épocas e lugares, com uma imersão sensorial que pode levar estudantes de qualquer lugar do mundo à Lua ou à Grécia Antiga.
Mas para chegar até lá é preciso percorrer um longo caminho. Em 2019, a internet banda larga não chegava a 15 mil escolas urbanas (18,1%) no Brasil, e a proporção só cresceu para 17,2 mil (20,5%) em 2020. Além disso, também há uma questão de mentalidade pedagógica, como defendeu Silvio Meira, professor, cientista e empreendedor na área de engenharia de software, durante sua participação no festival.
— Se a gente não mudar o sistema educacional, sua estratégia, métodos, processo e objetivos, não vai mudar nada com metaverso ou outra tecnologia. O principal é mudar a estratégia — afirmou.
Whastapp é recurso
Na perspectiva dele, é preciso desenhar novas formas de aprender para que o aluno aluno possa escolher o que, como, com quem, onde e, principalmente, por que e para que aprender, debatendo, divergindo para descobrir possibilidades, e convergindo para escolher consensos coletivos.
— Era isso que fazia a escola de Aristóteles, cerca de 400 anos antes de Cristo. Descobrir as perguntas que a gente tem que responder no nosso contexto. Imagina se no metaverso essa dinâmica for aberta, de forma instigante, emocionante, que engaja todo mundo, o que diminui a evasão. Aí eu acho que o metaverso iria mudar muito o que é o aprendizado. E a educação deixaria de ser a burocracia do aprendizado — diz Silvio Meira.
Enquanto esse futuro não chega, os educadores brasileiros vão utilizando as ferramentas que estão disponíveis neste momento. Para democratizar o acesso à educação básica a alunos de escolas públicas, Kelly Baptista, diretora da Fundação 1Bi, instituição que desenvolve tecnologias de impacto social, criou o AprendiZap, que proporciona uma conversa automática que envia aulas prontas e exercícios gratuitos para alunos do 6º ao 9º ano e ensino médio, através do WhatsApp. Mais de 30 mil professores já compartilharam exercícios e cerca de 230 mil alunos acessaram as aulas.
— Ter computador em casa hoje ainda é um privilégio que não chega a muitos alunos da escola pública. Enquanto essa realidade não é possível para todos, o AprendeZap funciona como uma alternativa acessível, por não demandar uso de um segundo aplicativo que iria requerer acesso à internet e memória no celular. O WhatsApp é uma ferramenta de amplo acesso, pela qual algumas operadoras não cobram, o que facilita que chegue a mais alunos — explica Kelly Baptista.
O compartilhamento de conteúdo também tem sido feito massivamente pelas redes sociais. Segundo a professora Simone Porfíria, famosa Tiktoker de língua portuguesa, chegará o dia em que a escola vai entender que “sem tecnologia, não tem como dar aula”:
— A gente precisa ensinar o aluno a usar o celular a seu favor. Assim como ele sabe que o lápis não é para furar o amigo, tem que saber que o dispositivo digital é para aprendizagem.
Mundo real
Eficiente para aumentar o interesse dos alunos e facilitar a vida do professor, a tecnologia digital não substitui, de forma alguma, as aulas presenciais, apontam os especialistas que participaram do Festival LED.
— A tecnologia digital promove a possibilidade de superar uma jornada obsoleta que as escolas têm na sala de aula, de decoreba, de copiar lição do quadro. Mas não se pode perder a tecnologia analógica, o diálogo. Ainda que o digital seja necessário, precisamos nos atentar ao fato de as novas tecnologias não matarem outras antigas como o diálogo — afirmou Helena Singer, líder da Estratégia de Juventude para América Latina na Ashoka.
Já na avaliação do especialista em educação infantil Paulo Fochi, há ainda o componente do brincar, que não é o jogo educacional, mas aquilo que as crianças fazem com os amigos, quando precisam descobrir e respeitar as regras e fazer de conta ser alguém que não é.
— Esse brincar é estruturante para dar conta de compreender a realidade e pensar numa solução para os problemas que aparecem na vida — afirmou Fochi em sua participação no evento.
O especialista ainda defende que o tempo de tela exagerado, além de ter o potencial de prejudicar a saúde da criança, acaba “paralisando” a infância.
— O lado de fora é bastante saudável e necessário para as crianças. A pergunta que a gente deveria estar se fazendo é: “Como e quanto tempo ela tem que ficar lá fora?” E a resposta é: “muito tempo”. Ela vai se relacionar com o mundo tecnológico porque chegou num mundo altamente tecnológico. Você pega uma criança com um tablet e ela vai passar o dedo instintivamente — explicou. — Ou seja, crie todas as possibilidades para estar no mundo. Estando no mundo, ela vai se relacionar com toda a tecnologia que esse mundo dispõe.
Por: Bruno Alfano