Profissionais especializados demitidos na onda de cortes por startups no Brasil estão encontrando recolocação rapidamente, indicando que a demanda por mão de obra de tecnologia segue intensa no país, ainda que os desligamentos possam sinalizar fragilidade no setor em um momento de alta de juros da economia.
Levantamento da Robert Half, empresa de recrutamento de trabalhadores qualificados, aponta para criação de 19.376 vagas para estes profissionais no primeiro trimestre deste ano, sendo que o setor de tecnologia liderou o ranking entre os 19 pesquisados, com saldo de 5.775 vagas.PUBLICIDADE
Os números têm base em dados do Ministério do Trabalho.
A cientista de dados Renata Martins foi demitida no início de junho em corte que atingiu 12% do pessoal da Empiricus, empresa do BTG Pactual voltada para conteúdo e análise do mercado financeiro.
Porém, ela disse que novas oportunidades de trabalho passaram a surgir em seu LinkedIn horas após publicar um texto na rede social sobre a demissão. O post acumulou mais de 6 mil reações.
“Foi tudo muito rápido. Recebi muitas mensagens, mais de 400 mensagens privadas com oportunidades de emprego”, disse ela, ponderando que, por vezes, recebeu contato de pessoas da mesma empresa ou de vagas não relacionadas a seu trabalho. “O mercado (de tecnologia) está hiperaquecido. É o que parece, estão contratando”, acrescentou ela, que já tem um novo trabalho, mas por questões de confidencialidade não pode dar detalhes.
Parte desta efervescência deve-se aos efeitos da própria pandemia, que aceleraram o processo de digitalização dos negócios. “‘Timing’ é muito importante para TI, se não tem mão de obra os projetos não rodam”, disse Franciele Alves, fundadora e presidente-executiva da Feel Tech RH, empresa de recrutamento de profissionais em tecnologia da informação.
O engenheiro francês Kevin Chevallier, há 14 anos no Brasil, foi demitido no final de maio da plataforma brasileira para comércio digital VTEX, junto com cerca de 11% dos funcionários da empresa, ou 193 pessoas. Dias depois, ele disse, já havia recebido cerca de 250 contatos de emprego, dos quais, segundo o profissional, cerca de 70% nas primeiras 48 horas. Ele agora está no Mercado Livre.
Quem olha para os números do final de junho da plataforma layoffsbrasil.com, site criado para recolocação de profissionais de tecnologia, vê mais de 3 mil demissões no país no setor neste ano, um saldo que até pouco tempo era impensável diante dos bilhões de reais aportados em startups do país nos últimos anos.
Os cortes incluíram ícones como a imobiliária digital QuintoAndar, o portal automotivo Kavak e a fintech Ebanx só para citar alguns unicórnios, como são conhecidas as startups avaliadas em ao menos US$ 1 bilhão.
Mas há uma visão dos recrutadores de que esse processo de demissões está dentro de um movimento cíclico do mercado, com especialistas da indústria de capital de risco esperando que esse ciclo de ajustes no setor de startups deverá durar cerca de dois anos, quando se prevê uma reversão do aumento do custo do dinheiro, como mostrou a Reuters em junho.
“A questão mercadológica no mercado de trabalho em tecnologia é totalmente à parte”, disse Alves, da Feel Tech RH. “Temos dificuldade para contratar alguém de dois anos de experiência”, afirmou. Ela citou fatores como diversas contrapropostas, o que, segundo ela, é incomum em outros setores, e salários que chegam a alcançar patamares “de executivo”.
Segundo Maria Sartori, diretora associada da Robert Half, o os cortes nas startups fazem parte de “um movimento de mercado que inevitavelmente aconteceria. Os unicórnios entraram com muito dinheiro e contratando a rodo”.
Sartori afirmou que, com base na experiência dela e dos negócios da Robert Half, a média atual em uma contratação é de aumento de 15% a 20% do salário ante o emprego anterior, mas que “chegou a ver” esse percentual em “30%, 40%, 50%” no caso de startups. “Para puxar os melhores profissionais, na maior parte das vezes, elas (empresas) alavancaram o salário.”
Martins, que estava na Empiricus, admite que “quando eu falo da minha pretensão salarial, algumas empresas se assustam”. Ela disse, porém, que muitas companhias, especialmente startups, “querem um cientista de dados que faça tudo”, na falta de outros profissionais capacitados. “É uma área que está crescendo bastante, mas a gente não faz mágica.”
Nem tudo são flores
O engenheiro mecânico Eduardo Bravin entrou na startup mexicana Kavak no início de sua operação no Brasil, em 2021, mas foi demitido junto com outras 300 pessoas da operação brasileira em junho, segundo dados do layoffsbrasil.com. A Kavak não respondeu a pedidos de comentários sobre os números.
Apesar de ter sido recém desligado da startup, Bravin afirmou que ainda não recebeu propostas de emprego, apenas alguns contatos.
“Geralmente, as pessoas de startups se alocam fácil em outras startups, não têm muita dificuldade. Mas a grande maioria que saiu da Kavak era de um setor mais técnico. Vão fazer o que em outra startup que não é ligada a carro?”, disse o engenheiro.
Vagas de tecnologia estão sendo fechadas pelas demissões em startups, mas não são maioria, segundo os especialistas ouvidos pela reportagem e com base em informações das listas de cortes divulgadas em plataformas como o layoffsbrasil.com.
“O mercado ‘tech’ não está sendo tão atingido, se você olha nas listas (de recolocação) não tem muita gente de tecnologia”, disse Bruno Marcelino, recrutador na área de TI e que foi demitido da startup de planos de saúde para pequenas empresas Sami no mês passado.
Marcelino, que está em uma área relacionada à tecnologia, mas que não é diretamente “tech”, disse ter recebido cerca de 30 contatos nas horas seguintes ao desligamento.
“No outro dia, fiz entrevista das 8h da manhã até às 18h30”, afirmou, acrescentando que já vinha vendo a possibilidade de corte geral na empresa em meio a medidas similares tomadas por outras startups. Ele foi para a consultoria de serviços em tecnologia inventCloud.
“Fico preocupado com time de vendas, marketing, quando a gente pensa em tecnologia é muito mais rápida (a recolocação), está muito aquecido o mercado.”
A boa notícia é que algumas características de ex-funcionários de startups atraem recrutadores independente do cargo, segundo Sartori, da Robert Half. “É um perfil que é muito valorizado no mercado. A pessoa é desafiada a fazer outras atividades que não estão dentro do quadradinho dela. As coisas nas startups mudam com muita frequência”, disse.
Por Andre Romani, da Reuters