Do cuidado de crianças e idosos à limpeza da casa, diversas tarefas domésticas poderão passar por alguma forma de automatização nos próximos dez anos, segundo uma pesquisa publicada nesta quarta-feira (22) baseada em entrevistas com 65 especialistas em inteligência artificial do Reino Unido e do Japão.
Em média, os especialistas previram que, daqui a cinco anos, 27% do tempo gasto com essas tarefas poderá ser assumido por novas tecnologias de automatização; em dez anos, o percentual pode chegar a 39% do tempo. Os resultados foram publicados na revista científica PLoS ONE.
A realização de pesquisas com previsões de especialistas é uma metodologia comum em estudos sobre o futuro do trabalho — seja ele remunerado ou não. Em diferentes etapas, os 65 especialistas (homens e mulheres) estimaram o percentual de tempo que pode ser automatizado em 17 tarefas domésticas.
Os entrevistados demonstraram apostar mais na automatização de tarefas domésticas não relacionadas ao cuidado de pessoas, como mostra a lista das previsões para os próximos dez anos:
- Compras no supermercado: 59,3%
- Uso de serviços (ir a consultas médicas, ao correio, fazer transações bancárias, por exemplo): 51,6%
- Compras (exceto supermercado): 50,2%
- Lavar louça: 46,9%
- Faxina: 46,2%
- Cozinhar: 46%
- Passar e dobrar roupas: 43,5%
- Lavar roupas: 42,9%
- Ensinar a uma criança: 39,6%
- Cuidar do jardim: 39,6%
- Manutenção da casa e de veículos: 36,1%
- Cuidar de um adulto: 34,8%
- Cuidar de animais de estimação: 31,7%
- Costurar e consertar roupas: 29%
- Guiar uma criança fora de casa: 23,6%
- Interagir com crianças: 22,3%
- Cuidado físico de crianças (ex: alimentar, cuidar de uma criança doente, supervioná-la): 20,8%
Apesar dessas previsões se referirem aos próximos dez anos, os autores do estudo dizem que já há sinais da automatização entre nós, como os robôs-aspiradores e limpadores de piso sem fio; tecnologias de educação que expandiram na pandemia de coronavírus; e projetos que visam automatizar algumas tarefas de cuidado de idosos em casa.
Por e-mail, uma das autoras do estudo, a socióloga Ekaterina Hertog, da Universidade de Oxford, escreveu à BBC News Brasil que para além dos resultados da pesquisa, há mais evidências da expansão da automatização no nosso dia-a-dia.
Por exemplo, dados da Federação Internacional de Robótica mostram um aumento nas compras de robôs com fins de entretenimento e de serviços domésticos principalmente a partir de 2017 — com uma alta mais significativa para robôs de serviços domésticos.
“A automatização do trabalho pago está fora da minha área de estudo, mas muitos pesquisadores documentaram o aumento da automatização também nos empregos”, escreveu Hertog.
“Estamos falando de tendências relativas a robôs, mas claro que a automatização frequentemente ocorre através de algoritmos. Então, a realidade da automatização do trabalho pago e não pago é muito maior do que a simples contagem de robôs.”
As tarefas domésticas incluídas no estudo são consideradas não pagas porque, na definição dos autores, poderiam ser executadas por um trabalhador pago ou poderiam ser substítuidas por bens de mercado.
São inúmeras as evidências, em todo o mundo, de que esse tipo de trabalho recai mais sobre as mulheres. O estudo traz dados dos países que aborda: no Reino Unido, os homens em idade ativa gastam 56% do tempo que as mulheres gastam em trabalhos não pagos; no Japão, a disparidade é ainda maior, com os homens levando apenas 18% do tempo que as mulheres dedicam a esse tipo de tarefa.
Embora o estudo mencione que estudos feministas e exemplos históricos justifiquem um ceticismo quanto às promessas da tecnologia de aliviar as demandas das mulheres, Ekaterina Hertog contou que conduziu uma outra pesquisa, ainda não publicada, estimando a redução de trabalho não pago para homens e mulheres com o advento da automatização.
Os resultados não foram divulgados ainda, mas eles mostram uma redução de algumas horas por dia — e a diminuição é maior para as mulheres.
O estudo recém-publicado também mostrou algumas diferenças nas previsões dos especialistas em inteligência artificial em termos de gênero e país. Os homens no Reino Unido se mostraram mais otimistas sobre a automatização do que as mulheres; no Japão, as mulheres se mostraram mais otimistas que os homens.
Os autores lembram também que o impacto das tecnologias nas tarefas não vêm de hoje.
“Transformações tecnológicas do passado afetaram tanto o trabalho doméstico quanto o trabalho pago. Pesquisas sobre o uso do tempo mostraram que o tempo gasto em muitas tarefas domésticas — como cozinhar, fazer faxina e lavar roupas — diminuiu dramaticamente no Reino Unido da década de 1920 à de 2000”, diz um trecho do estudo.
Por Mariana Alvim