sexta-feira,22 novembro, 2024

100 dias para a COP28: clima de temor por lobby ao petróleo e altas expectativas para o “Global Stocktake”

Em ano marcado por recordes de temperatura e incêndios mortais, reunião climática da ONU em Dubai escancara resistência à transição energética, mas pode recolocar países nos trilhos, com transparência e responsabilidade, com primeiro balanço global sobre jornada climática

Em sua mais recente palestra TED intitulada “O que a indústria de combustíveis fósseis não quer que você saiba”, o prêmio Nobel da Paz e ex-vice-presidente dos EUA, Al Gore, critica as empresas de combustíveis fósseis por retrocederem em seus compromissos climáticos e faz um apelo aos governos mundiais pela reavaliação dos papéis dessas indústrias poluidoras na política e nas finanças. A começar pela participação de petroleiras na maior e mais importante conferência sobre clima do mundo, a COP , que discute soluções para frear a alta de emissões de gases de efeito estufa, vilões do clima.

Neste ponto, o criador de um dos dos documentários mais potentes sobre a emergência climática (“Uma Verdade Incoveniente”, 2006) é implacável: “A indústria de combustíveis fósseis capturou esse processo e o está retardando. Precisamos fazer algo a respeito”, crava após observar que a presença de delegações ligadas aos combustíveis fósseis nos encontros-chave da ONU para o futuro climático vem aumentando a cada ano, e com isso também cresce o lobby anti-clima.

Para o ambientalista, o movimento chega ao ápice na COP28, que acontece entre novembro e dezembro em um petroestado — os Emirados Árabes Unidos — e sob o comando do CEO da estatal petrolífera daquele país, o Sultan Ahmed al-Jaber, que também é Ministro de Estado. “A indústria de combustíveis fósseis capturou esse processo e o está retardando. Precisamos fazer algo a respeito”, decreta Al Gore. Durante a COP27, que aconteceu no Egito no ano passado, o número de lobistas do setor de óleo e gás foi 25% maior do que em 2022 (COP21, em Glasgow, Reino Unido) e superior a qualquer delegação nacional, exceto a dos Emirados Árabes Unidos, que levou mais de mil pessoas para o encontro no balneário egípcio de Sharm El-Sheikh.

Enquanto o mundo enfrenta o desafio de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 50% até 2030, a estatal petrolífera Abu Dhabi National Oil Company (Adnoc), liderada pelo sultão, planeja gastar US$ 150 bilhões na expansão da produção nos próximos cinco anos. Para os críticos, a expansão planejada mostra o “oposto da liderança” e mina a credibilidade de Al Jaber. Em julho, a estatal chegou a anunciar que vai antecipar sua meta de net zero em cinco anos, para 2045, e que irá zerar suas emissões de metano, poderoso gás de efeito estufa, até 2030. Mas reportagem recente do britânico The Guardian mostrou que o anfitrião da cúpula do clima da ONU não relata há mais de dez anos suas emissões de metano à ONU e questiona a confiabilidade das promessas da estatal.

A maioria das empresas petrolíferas nacionais do Golfo, conhecidas pela sigla NOCs, não reporta seus níveis de emissões, e evita estabelecer metas de maior impacto positivo, como as de Escopo 3, que representam a grande maioria das emissões, e da qual a Adnoc também se esquivou. Sem surpresas, a COP deste ano tem recebido frequentes críticas de grupos ambientalistas, temerosos de que os lobistas retardem as negociações e soluções climáticas. Ausente das negociações da COP27, no Egito, a ativista sueca Greta Thumberg, classificou a conferência de “greenwashing” e foi além: “Se você quer combater a malária, não convide os mosquitos”, afirmou na ocasião transparecendo sua descrença.

O próprio encontro no continente africano sinalizou como o processo de negociação está sujeito a interferências. Apesar do acordo sobre “perdas e danos” para países vulneráveis e de progresso na frente do financiamento climático, o texto final da reunião falava da “redução gradual” do uso do carvão e o “abandono gradual dos subsídios a combustíveis fósseis ineficientes”, quando se esperava determinações mais enérgicas para reduzir a dependência do mundo a essas fontes e acelerar a transição energética.

Brasil e sua “dupla personalidade”

A COP de 2023 acontece em meio à campanha brasileira para retomar seu chamado “soft power” na mesa de discussão mundial em clima e meio ambiente, em um mundo onde a “economia verde” acena como caminho de recuperação pós-COP 19 compatível com os desígnios de uma sociedade baseada no baixo carbono. Uma clara tentativa de demonstração desse intento foi a realização da Cúpula da Amazônia, em Belém do Pará, entre 8 e 9 de agosto, que reuniu chefes de Estado dos oito países que possuem Amazonia em seus territórios. Entre os temas em pauta, dois levantaram grandes expectativas em especial: desmatamento zero até 2030 e combate à exploração de petróleo na região. Ambos frustraram, contudo, ao serem deixados de lado na declaração final dos chefes de estado.

Embora as nações amazônicas não tenham chegado a um consenso sobre esses temas, a reunião ajudou a fortalecer as relações regionais e as discussões pela proteção e o desenvolvimento sustentável do bioma. “O grande avanço que podemos destacar é o fato desses países estarem mais próximos. É possível que com isso eles atuem de forma mais alinhada em algumas demandas relacionadas a florestas e financiamento na COP28”, avalia André Castro Santos, geógrafo e especialista em direito membro da Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action (LACLIMA) e do Conselho Consultivo Acadêmico do Youth Climate Leaders (YCL).

Castro pondera que para o Brasil retomar sua liderança será preciso abandonar o que chama de “dupla personalidade”, em referência a dois posicionamentos antagônicos: ao mesmo tempo que promete retomar políticas ferrenhas para combater o desmatamento, na busca por se tornar um “preservador de florestas”, o país continua a estimular o setor de petróleo e gás, mantendo o papel de “investidor” em fontes fósseis. O novo PAC denota isso: o programa de aceleração de crescimento recentemente relançado prevê transição ecológica, mas também investimento bilionário em fontes poluentes e projetos ambientalmente polêmicos.

Para o especialista, isso demonstra contradições. “Principalmente quando o Brasil está buscando retomar a liderança, é uma fragilidade o fato de que em uma das pautas importantes, a da preservação das florestas, o Brasil ser tão ativo, enquanto no ‘phase-out’ dos combustíveis fósseis, o país não se posiciona. Isso pode fragilizar a intenção do país de restabelecer um papel de liderança”, afirma Castro. E a cobrança sobre essa incoerência será feita, prediz.

“Global Stocktake”

A COP em Dubai também apresentará ao mundo os resultados de um instrumento-chave para acompanhar o avanço das ambições e promessas do mecanismo do Acordo de Paris. Em 2015, os países concordaram em participar de um balanço global, a cada cinco anos, para avaliar o progresso coletivo das partes signatárias em direção às metas do Acordo. Este levantamento, batizado de “Global Stocktake”, será finalizado na COP 28, contemplando avanços nos campos da mitigação, adaptação, meios de implementação entre outros.

Com esse balanço, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) espera guiar a próxima rodada de Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), documento que reúne os principais compromissos e contribuições dos países para atender ao Acordo de Paris. E, a partir daí, avaliar a necessidade de ação e apoio aprimorados. “Já se sabe pelas prévias avaliações do IPCC que é muito pouco provável que as atuais NDCs se aproximem do cumprimento do Acordo de Paris. O Global Stocktake vai jogar na cara de todo mundo isso dizendo que é preciso fazer mais”, diz André.

Segundo o especialista, há dificuldades no contexto geopolítico mundial e no multilateralismo como um todo, não só no contexto da COP, mas o balanço deve ser um instrumento importante na pressão politica por mudanças e na cobrança de responsabilidades comuns porém diferenciadas dos países. Em um ano marcado por recordes de temperatura e incêndios mortais, a reunião climática da ONU em Dubai escancara resistência à transição energética, mas também pode recolocar os países nos trilhos com mais transparência e responsabilidade.

Texto: Vanessa Oliveira/ Um Só Planeta

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